São Paulo, domingo, 21 de julho de 2002

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INFECÇÃO NOS MERCADOS

A crise do capitalismo global deixou de ser um tema restrito a intelectuais de esquerda. É uma realidade que transparece há meses e se torna especialmente intensa com a onda de desconfiança que predomina entre os investidores no mercado de capitais dos Estados Unidos. O impacto financeiro dos ataques de 11 de setembro se empalidece diante dos efeitos do abalo em corporações globais de setores estratégicos, como telecomunicações.
O sistema financeiro global acompanha a tendência. A retração dos investidores é generalizada e coloca em risco o próprio valor internacional do dólar. É verdade que já não ocorrem episódios de colapso de bancos. Mas o sistema financeiro mundial já passou por várias ondas de ajuste, levando a uma concentração maior e a uma fragilização dos sistemas financeiros de países mais pobres. Em alguns casos, como na Argentina, houve desnacionalização completa e por fim uma quebra pura e simples do sistema e da moeda.
Japão, União Européia e Estados Unidos convergiram para uma trajetória de crescimento baixo e até de estagnação. A expectativa de que os EUA e a economia mundial iniciariam etapa de recuperação no segundo semestre arrefeceu. A economia americana perdeu US$ 11,5 trilhões nos últimos 26 meses.
O índice Dow Jones, da Bolsa de Valores de Nova York, despencou 4,75% na última sexta-feira. Já está em nível mais baixo que o registrado no dia dos atentados terroristas do ano passado. As chances de sobrevivência das economias em desenvolvimento se estreitam. No Brasil, um conjunto de medidas que normalmente estabilizariam o mercado de câmbio tem sido pouco eficiente.
As guerras protecionistas entre EUA e União Européia criam ainda mais barreiras às exportações dos países em desenvolvimento.
As instituições multilaterais há muito são incapazes de regular economias e mercados. FMI, Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio e outras têm dado sucessivas e embaraçosas demonstrações de inépcia ou de impotência.
No centro da crise de confiança está a ruína, mais uma vez, do mito ultraliberal de que os capitais são capazes de se auto-regular em direção a um sistema mais equilibrado e com taxas mais altas de crescimento.
Há mais de 60 anos, um pensador inglês alertou para a tendência no limite autodestrutiva dos capitais sem amarras, após vivenciar a débâcle do capitalismo industrial que se seguiu à crise de 1929. John M. Keynes acusava a existência de "espíritos animais" no mundo dos capitais livres.
O presidente do Fed, banco central norte-americano, não estava muito distante disso ao citar, na semana passada, a "ganância infecciosa" que teria tomado conta dos mercados de capitais liberalizados e globalizados.
Nesse contexto de impasse e incerteza, ainda não se sabe de onde virá o antídoto ou ao menos, como prefere o presidente Fernando Henrique Cardoso, um "calmante".



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