São Paulo, domingo, 21 de julho de 2002

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

O petróleo e os futuros conflitos

Para muitos, a vontade de George W. Bush de destruir Saddam Hussein é uma questão de honra familiar. Seu pai falhou ao tentar o mesmo em 1991. Para outros, isso é parte do combate ao terrorismo e às armas de destruição em massa. Há ainda os que vêem nessa intervenção uma resposta à rejeição do ditador iraquiano às inspeções da ONU nos arsenais militares.
Enquanto isso, Saddam Hussein comemora seus 23 anos no poder e desafia a capacidade bélica dos americanos, acusando-os de quererem se apossar de todo o mundo árabe. A situação está tensa. Bush promete um ataque por ar, terra e mar. Com 250 mil soldados, se necessário, e usando o apoio de vários países do golfo Pérsico, da Jordânia à Turquia.
A guerra estaria programada para o início de 2003, mas a tensão atual e a necessidade de recuperar a autoconfiança dos americanos nesta hora de crise podem antecipá-la para 2002.
Por trás de tudo está a crise mundial de energia, em especial a do petróleo, que deve ocorrer daqui a uns 15 anos. Hoje, os grandes produtores são países do golfo Pérsico, do mar Cáspio e a Venezuela. E os grandes importadores são os Estados Unidos, a China e a Rússia -os protagonistas do provável conflito.
Até 2020, a demanda por petróleo crescerá 2% ao ano. O consumo saltará dos atuais 85 milhões de barris/dia para 110 milhões/dia, ou seja, de 31 bilhões/ano para 40 bilhões de barris/ano. O petróleo, que representa 40% da energia utilizada no planeta, continuará importante por muito tempo. As novas alternativas energéticas trarão resultados só depois de 2030.
As reservas conhecidas são estimadas em 1.033 bilhões de barris. As não-conhecidas, entre 200 bilhões e 900 bilhões de barris. Usando-se a média de 1.600 bilhões barris, a oferta de petróleo daria para chegar até a 2040. Mesmo assim, o mundo teria devorado 800 bilhões de barris até 2020, sobrando apenas outros 800 bilhões para mais 20 anos.
Ocorre que essa conta é falaciosa. Nesse número (1) estão incluídas reservas desconhecidas, que podem rebaixar a média indicada; (2) a extração futura será a custos e dificuldades crescentes; (3) o mundo não poderá extrair a última gota de petróleo; (4) e dois terços das reservas estão na Arábia Saudita, no Iraque, no Kuait, no Irã e nos Emirados Árabes Unidos. Qualquer turbulência em tais nações afetará em cheio os grandes importadores. Por isso, seus estrategistas recomendam "assegurar um mínimo de paz" naqueles países -mesmo que seja através da guerra.
A expansão do fundamentalismo islâmico, a reprodução de governos autoritários e os recentes atos de terrorismo -somados à animosidade entre Israel e o mundo árabe- fazem redobrar a atenção ao Oriente Médio.
Como diz Michael T. Klare ("Resources Wars", Henry Holt and Company, Nova York, 2002), a guerra pelos recursos naturais será inevitável enquanto o mundo depender tanto de tão poucos países. Iniciamos este século de modo arriscado e com imprevisíveis consequências econômicas, sociais e políticas. Oxalá o quadro mude em duas ou três décadas!


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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