São Paulo, domingo, 21 de julho de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

Bola de cristal

Rio de Janeiro - Deus existe! Acaba
ram-se minhas dúvidas, espantos e fossas a respeito do futuro, do meu futuro e do futuro da humanidade. Deu-se que escrevi um romance em que havia alguns ciganos como personagens e recebi de um deles, que vende panelas de estanho no Largo do Machado, uma bonita bola de cristal.
Talvez não seja de cristal, mas de vidro ordinário. Para todos os efeitos ficou sendo de cristal, pois tem uma base metálica, o acabamento tradicional dessas bolas de cristal que a gente vê nos desenhos animados e nas histórias em quadrinhos. Num filme de Orson Welles com Marlene Dietrich, que sempre passa na TV, há uma bola igualzinha.
A princípio, pensei em aproveitá-la como peso de papéis, mas mudei de idéia. Desde menino sempre ouvi falar que se lê o futuro nas bolas de cristal, e a minha devia ter uma porção mágica, fora regada por fluidos complicados que somente os ciganos sabem fabricar e usar.
Entronizei a bola no espaço mais nobre das minhas estantes e agora posso avisar aos meus desafetos que saiam da frente: lá vou eu! Até hoje, não compreendi o passado, não entendo o presente, mas poderei adivinhar o futuro, o meu e o dos outros.
O problema é que o futuro dos outros não chega a me interessar. E o meu é de tal forma previsível e nefasto que nem adianta adivinhá-lo. De qualquer forma, a bola de cristal não será inútil. Deu ao meu gabinete um clima de tenda de mafuá onde as ciganas costumam adivinhar o futuro da gente.
Já passei horas olhando para ela, procurando ver alguma coisa, quem vai ganhar a corrida presidencial, se o Fluminense vai mesmo ser campeão, se o Osama Bin Laden ainda está vivo, quem é o pai do filho da Gloria Trevi, onde estão afinal os ossos de Dana de Teffé.
Nada vi, até agora. Não deve ser culpa da bola, mas culpa minha, que até hoje não aprendi a olhar.



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