São Paulo, domingo, 21 de julho de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Ciência, invenção, inovação

ELOI S. GARCIA


Para inovar, a idéia deve ser mais prática do que teórica, e a política deve favorecer o risco, premiar o sucesso


No mundo globalizado, a inovação tecnológica é considerada a alavanca para o desenvolvimento das nações. As indústrias e empresas divulgam em propagandas vultosas suas ações inovadoras, seus novos produtos. Os cientistas solicitam mais recursos para financiar seus laboratórios e suas pesquisas, alegando que a ciência é a base para a inovação e o desenvolvimento.
Para a população, o que se entende por inovação tecnológica é confuso e, por vezes, o termo inovação tem sido usado de maneira errada. Para ser inovador, um produto, processo ou serviço deve ser melhor, mais barato, aceito pelo mercado e gerar lucros maiores que os de seus concorrentes.
O nível de inovação tecnológica é avaliado pelo "índice de inovação", que é derivado dos gastos e do número de doutores e engenheiros envolvidos em pesquisa e desenvolvimento, do nível educacional da sociedade, da proteção da propriedade intelectual, do PIB e de políticas comerciais. Não existe uma relação direta entre o nível de inovação tecnológica de um país e sua ciência.
A inovação é frequentemente mais arte do que ciência. A Inglaterra tem mais de 80 Prêmios Nobel em ciência e medicina e sua tradição na inovação tecnológica é pobre. A União Européia utiliza o mesmo percentual do PIB que os EUA e publica mais artigos científicos que os americanos. Entretanto poucas indústrias multinacionais do século 20 são européias.
O número de patentes japonesas é duas vezes maior que o dos EUA. Por habitante, o número de patentes americanas é quase um terço do da Coréia. No Brasil, registramos em média 4.000 patentes por ano e publicamos pelo menos 15 vezes mais artigos científicos. Nos EUA, a relação número de patentes/publicações científicas é enorme.
Esses dados revelam que os norte-americanos possuem uma grande vantagem no índice de inovação.
O videocassete para uso profissional foi descoberto em 1954, mas foram os japoneses, no início dos anos 70, que, diminuindo o seu tamanho, aumentando a sensibilidade e tornando o preço acessível ao mercado, fizeram o vídeo comercial.
A capacidade de inovação tecnológica de um país está relacionada com sua história e cultura. Para inovar, a idéia deve ser mais prática do que teórica, e a política deve favorecer o risco, premiar o sucesso, e não punir o fracasso. Geralmente os países considerados produtores de inovação são aqueles cuja população é mais pragmática e sabe que depender de si própria é mais importante do que depender do governo.
Há um consenso mundial de que o desenvolvimento das nações depende de sua capacitação científica e tecnológica. Todavia essa relação entre ciência, tecnologia e desenvolvimento não é tão direta nem linear. Existem países, como a Argentina, em que uma base científica avançada não se transformou em inovação tecnológica e em oportunidades de crescimento e desenvolvimento. Outros, como o Japão e a Coréia do Sul, incorporaram a ciência e a tecnologia geradas pelos países avançados numa estratégia agressiva de inovação e de desenvolvimento, só enfatizando o suporte à atividade científica posteriormente.
Portanto, se de um lado todos os processos contemporâneos de desenvolvimento a médio e longo prazos estiveram associados à incorporação de ciência e tecnologia na atividade produtiva, de outro, não é trivial como estes vínculos se estabelecem.
Nesse cenário, a gestão do conhecimento coloca-se como um fator essencial para vincular ciência, tecnologia e desenvolvimento nacional. Torna-se necessário considerar a revolução em curso nos processos de produção de conhecimento. Se, antes, o desenvolvimento científico se associava, em grande medida, ao aumento do conhecimento inerente a cada disciplina, atualmente o contexto em que o conhecimento é aplicado emerge como um fator determinante.
As necessidades sociais do meio ambiente, do setor produtivo, entre outras, passam a ter um peso decisivo na orientação da pesquisa científica e de suas aplicações. A sociedade, o Estado e a economia passam a ser elementos essenciais para a definição de focos de investigação, somando-se aos requerimentos internos da própria ciência.
Equipes multidisciplinares são constituídas em bases temporárias para a resolução de problemas específicos do conhecimento humano. As hierarquias se tornam mais flexíveis e redes de conhecimento são formadas, envolvendo da comunidade científica aos consumidores, organizações sociais, Estado e empresas.
Nesse cenário, de profundas transformações, as antigas e ainda dominantes formas de gestão do conhecimento presentes no Brasil tornam-se completamente obsoletas e restritivas aos avanços requeridos ao conhecimento e à inovação. Estruturas organizacionais rígidas e verticalizadas, regras vigentes da burocracia pública e rigidez do conhecimento disciplinar fechado aparecem como verdadeiras barreiras à inovação. O avanço do conhecimento e a inovação impõem a necessidade de mudança organizacional e de reforma do Estado na área de ciência e tecnologia.
Modelos organizacionais matriciais e estruturas flexíveis e temporárias que permitam a organização de grupos de pesquisa multidisciplinares, voltados para a resolução de problemas, tornam-se elementos essenciais para o novo paradigma do conhecimento científico e tecnológico. A introdução sistemática de formas de pensar o futuro e de definição de focos e de estratégias, sem a rigidez dos sistemas tradicionais de planejamento, impõem-se como uma necessidade. A ciência e a inovação não podem mais ser tratadas com os modelos burocráticos rígidos existentes.


Eloi Souza Garcia, 57, doutor pela Escola Paulista de Medicina, é secretário-adjunto das Unidades de Pesquisas do Ministério da Ciência e Tecnologia, diretor do Ibict (Instituto Brasileiro de Informação Científica e Tecnológica) e membro da Academia Brasileira de Ciências. Foi presidente da Fiocruz (1997-2000).


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