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São Paulo, segunda-feira, 21 de julho de 2003

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BORIS FAUSTO

Um atoleiro

O Iraque se tornou um atoleiro para os Estados Unidos. Não é possível saber ainda qual a sua profundidade ou quanto tempo a grande potência levará para sair dele. Por ora, é só o atoleiro, sem contornos definidos, aumentando as incertezas.
A fácil campanha militar deu lugar a uma complicada administração do território iraquiano. A expressão mais visível dos problemas são os seguidos ataques às forças de ocupação, partindo aparentemente de grupos armados leais a Saddam Hussein. Estatisticamente irrelevantes, as baixas atuam como um poderoso fator de desmoralização. Às vozes de soldados americanos, revelando uma aguda e surpreendente insatisfação, juntam-se as que, nos Estados Unidos, começam a romper a carapaça monolítica que silenciou, taxando-as de impatrióticas, as críticas à administração republicana.
Mas há uma questão mais profunda do que os ataques: a do fundamentalismo religioso, especialmente o xiita, principal pólo de atração das massas iraquianas, no vazio que se seguiu à queda de Saddam. Os xiitas representam mais de 60% da população e são maioria também no Irã e no Líbano, embora não no conjunto do Oriente Médio. As relações entre xiitas do Irã -país integrante do "eixo do mal"- e iraquianos foram e são intensas ao longo dos séculos, apesar das diferenças linguísticas e da guerra entre os dois países.
Engrandecidos pela resistência a anos e anos de brutalidades cometidas por Saddam contra sua gente, conduzidos por aiatolás que tiveram de calar-se ou voltaram como heróis do exílio, os xiitas -radicais ou moderados - não demonstram a menor simpatia pela permanência indefinida de tropas americanas no Iraque. É certo que, em meio à confusão, o administrador Paul Bremer tenta preparar o caminho para a estabilidade, reunindo uma espécie de conselho, integrado por diferentes grupos e etnias xiitas, sunitas, curdos, cristãos e outros mais. Seu trabalho, porém, é extremamente difícil, seja no sentido de estabelecer competências, seja no de conciliar interesses conflitantes, sem falar no fato de que certamente Bremer tem poder de veto nas deliberações.
Por outro lado, nos Estados Unidos, os sintomas são inquietantes para o governo Bush. Sua popularidade vem caindo, apesar de em menor grau do que as mentiras e os desastres políticos poderiam ter levado a acreditar. A oposição dos democratas dá sinais de levantar a cabeça, com vistas à sucessão presidencial do próximo ano. A grande novidade é a candidatura do democrata Howard Dean, ex-governador de Vermont, ao longo de cinco mandatos. Dean denunciou com todas as letras a aventura iraquiana e vem tendo grande êxito na campanha para arrecadar fundos pela internet. Juntou até aqui US$ 7 milhões, a maioria deles provenientes de pequenas contribuições.
Por ora, é impossível dizer até aonde vai Howard Dean, mas sua ascensão é, em si mesma, bastante significativa. Se, em meados do próximo ano, Bush estiver enfrentando ainda um quadro econômico adverso, sua presumível fácil reeleição correrá riscos. E, se os riscos se concretizarem, o velho provérbio virá à tona: tal pai, tal filho.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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