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BORIS FAUSTO
Um atoleiro
O Iraque se tornou um atoleiro
para os Estados Unidos. Não é
possível saber ainda qual a sua profundidade ou quanto tempo a grande
potência levará para sair dele. Por ora,
é só o atoleiro, sem contornos definidos, aumentando as incertezas.
A fácil campanha militar deu lugar a
uma complicada administração do
território iraquiano. A expressão mais
visível dos problemas são os seguidos
ataques às forças de ocupação, partindo aparentemente de grupos armados
leais a Saddam Hussein. Estatisticamente irrelevantes, as baixas atuam
como um poderoso fator de desmoralização. Às vozes de soldados americanos, revelando uma aguda e surpreendente insatisfação, juntam-se as que,
nos Estados Unidos, começam a romper a carapaça monolítica que silenciou, taxando-as de impatrióticas, as
críticas à administração republicana.
Mas há uma questão mais profunda
do que os ataques: a do fundamentalismo religioso, especialmente o xiita,
principal pólo de atração das massas
iraquianas, no vazio que se seguiu à
queda de Saddam. Os xiitas representam mais de 60% da população e são
maioria também no Irã e no Líbano,
embora não no conjunto do Oriente
Médio. As relações entre xiitas do Irã
-país integrante do "eixo do mal"-
e iraquianos foram e são intensas ao
longo dos séculos, apesar das diferenças linguísticas e da guerra entre os
dois países.
Engrandecidos pela resistência a
anos e anos de brutalidades cometidas
por Saddam contra sua gente, conduzidos por aiatolás que tiveram de calar-se ou voltaram como heróis do
exílio, os xiitas -radicais ou moderados - não demonstram a menor simpatia pela permanência indefinida de
tropas americanas no Iraque. É certo
que, em meio à confusão, o administrador Paul Bremer tenta preparar o
caminho para a estabilidade, reunindo uma espécie de conselho, integrado por diferentes grupos e etnias xiitas, sunitas, curdos, cristãos e outros
mais. Seu trabalho, porém, é extremamente difícil, seja no sentido de estabelecer competências, seja no de conciliar interesses conflitantes, sem falar
no fato de que certamente Bremer tem
poder de veto nas deliberações.
Por outro lado, nos Estados Unidos,
os sintomas são inquietantes para o
governo Bush. Sua popularidade vem
caindo, apesar de em menor grau do
que as mentiras e os desastres políticos poderiam ter levado a acreditar. A
oposição dos democratas dá sinais de
levantar a cabeça, com vistas à sucessão presidencial do próximo ano. A
grande novidade é a candidatura do
democrata Howard Dean, ex-governador de Vermont, ao longo de cinco
mandatos. Dean denunciou com todas as letras a aventura iraquiana e
vem tendo grande êxito na campanha
para arrecadar fundos pela internet.
Juntou até aqui US$ 7 milhões, a
maioria deles provenientes de pequenas contribuições.
Por ora, é impossível dizer até aonde
vai Howard Dean, mas sua ascensão é,
em si mesma, bastante significativa.
Se, em meados do próximo ano, Bush
estiver enfrentando ainda um quadro
econômico adverso, sua presumível
fácil reeleição correrá riscos. E, se os
riscos se concretizarem, o velho provérbio virá à tona: tal pai, tal filho.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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