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São Paulo, segunda-feira, 21 de julho de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Tempo de justiça social e solidariedade

CLAUDIO LOTTENBERG

O Brasil vive um momento histórico extraordinário. Em que pesem as graves dificuldades herdadas do passado e o sombrio cenário internacional, a esperança e o anseio de mudar disseminaram-se por este enorme território e mobilizam a inteligência, o sentimento e a ação de milhões de brasileiros. Em um contexto de crescente democratização, no qual o diálogo e a aceitação das diferenças se transformam em difícil, mas estimulante, exercício cotidiano, a justiça social e a solidariedade elevam-se como valores positivos, compartilhados pela imensa maioria. É uma alegria estar aqui, agora!
A Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Hospital Albert Einstein (SBIBHAE) sente-se plenamente inserida nessa grande corrente transformadora. Justiça social e solidariedade foram os valores que motivaram sua fundação, no distante ano de 1955. Eles se atualizam e aprofundam em face dos gigantescos desafios do presente. Estamos reinventando, a cada dia, o conceito de filantropia, tornando-o mais atuante, mais abrangente, mais exigente. Além da assistência hospitalar propriamente dita, ele se materializa hoje em um vasto conjunto de atividades sociais, voltado para os setores carentes da população e norteado pelo princípio de cooperação e parceria com os órgãos públicos de saúde e as ONGs.
Os números traduzem, melhor do que as palavras, essa prática cotidiana. Eis os registros do ano passado:
Dez mil crianças faveladas, com idade de até dez anos, foram atendidas pelo Programa Einstein na Comunidade de Paraisópolis, recebendo gratuitamente assistência médica, ambulatorial e de urgência/emergência, internações em hospitais conveniados e todos os medicamentos necessários à continuidade do tratamento;
Mil pessoas carentes da comunidade judaica foram atendidas pelo Programa Einstein na Comunidade Judaica, recebendo assistência gratuita integral, nos âmbitos ambulatorial e hospitalar;
No bairro paulistano de Campo Limpo, 76 mil lares foram visitados pelo Programa de Saúde da Família;
Foram aplicadas gratuitamente, em campanha anual de vacinação, 14 mil doses de vacina anti-hepatite;
Em média, foram realizados, a cada mês, 12 transplantes pelo Hospital Israelita Albert Einstein em convênio com o SUS, disponibilizando para a população atendimentos de alta complexidade, que são a grande carência do sistema público de saúde. Mantida a tendência de crescimento de nossas ações no setor, estaremos fazendo em breve mais de 200 transplantes em convênio com o SUS por ano;
Na comunidade de Paraisópolis, em São Paulo, 8.700 mulheres foram beneficiadas pela Campanha de Saúde da Mulher, de prevenção de câncer de colo de útero e de mama;


A correção de cinco séculos de distorções não é tarefa para poucos, por maiores que sejam seus talentos


Foram beneficiados pela Campanha de Cidadania e Trabalho, com obtenção de documentos e recolocação profissional, 2.300 trabalhadores;
Foram treinados em gestão hospitalar 200 administradores de hospitais e prontos-socorros públicos;
Serão treinados em práticas de resgate 2.000 agentes municipais de saúde.
Esses números são apenas a parte mais visível de uma atividade silenciosa. Por trás da fachada de um hospital de elite, situado em um dos bairros nobres da cidade de São Paulo, a SBIBHAE volta-se, cada vez mais, para o social. Talvez por excessiva modéstia nossa, poucos saibam disso. É a primeira vez que nos expomos assim ao grande público. Não o fazemos numa perspectiva jactanciosa ou impelidos por uma estratégia de marketing qualquer, mas com o intuito de nos engajarmos, de corpo e alma, nesse grande debate protagonizado pela nação.
O Brasil é hoje a nona economia do mundo. Apesar das sabidas dificuldades conjunturais, o país tem tudo para recuperar a oitava posição que um dia lhe pertenceu e avançar rumo a patamares ainda mais altos. Porém jamais ingressaremos em um círculo virtuoso de desenvolvimento estável e auto-sustentado enquanto não erradicarmos as escandalosas mazelas sociais acumuladas ao longo de 500 anos de história.
Muitos já se deixaram inebriar, um dia, pela falácia do crescimento econômico sem justiça social. Não cabe revolver os erros do passado. Porém menos ainda cabe repeti-los. A dívida social, multiplicada naqueles anos de triste memória, clama por ser resgatada. E constitui talvez o maior obstáculo ao próprio crescimento. Mais do que a excelência tecnológica, mais do que a pujança industrial, mais do que a abundância agropecuária, o maior patrimônio de um país é seu povo. Esse povo já provou ser dono de uma tenacidade, de uma flexibilidade, de uma cordialidade, de uma criatividade excepcionais. Queremos vê-lo bem alimentado, saudável, educado e feliz.
Seria muito cômodo atribuir essa imensa responsabilidade apenas ao governo. Cômodo, ineficaz e indecente. A correção de cinco séculos de distorções não é tarefa para poucos, por maiores que sejam seus talentos, por melhores que sejam suas intenções. Toda a nação brasileira está sendo chamada a participar. E não pode se furtar ao convite.
Já superamos a fase da exacerbação ideológica, dos arroubos retóricos que dividem e paralisam. Os diferentes atores desta complexa sociedade adquiriram maturidade suficiente para se sentar em torno de uma mesa e negociar. Adquiriram também o necessário sentido de urgência para levantar da mesa e colocar as mãos à obra. O momento oferece uma oportunidade excepcional. Seria imperdoável desperdiçá-la.


Claudio Lottenberg, 42, doutor em oftalmologia pela Escola Paulista de Medicina (atual Unifesp), é presidente da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Hospital Albert Einstein.


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