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São Paulo, segunda-feira, 21 de julho de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Sinal verde para a redução dos juros

LUÍS EDUARDO ASSIS

Nas suas linhas mais gerais, não é difícil avaliar o impasse que caracterizou a economia brasileira no primeiro semestre de 2003. A rigor, nada é novo nem inesperado. No ano passado, todos nos recordamos, os eleitores consagraram por meio do voto uma escolha que refletia o desejo de mudança na política econômica. Havia, acima de tudo, o desejo de que a economia pudesse voltar a crescer de forma significativa, recuperando os salários e o emprego, abrindo espaço para o combate às mazelas sociais e promovendo a melhoria na distribuição de renda. Tudo isso sem provocar o retorno da inflação. Uma espécie de "óleo de cobra".
Não foi assim. A pressão inflacionária do final de 2002 , essencialmente a expressão do medo insano da mudança de governo, ameaçou colocar a nova administração em uma situação insustentável. Foi mais que um suspiro da inflação. O que vivemos nos primeiros meses deste ano representou a mais grave ameaça à estabilidade desde a criação do Plano Real. A inflação anualizada medida pelo IGPM alcançou 33%, a mais alta desde junho de 1995. Afora isso, é preciso admitir que, nas atuais condições, não há outra alternativa para combater a inflação elevada senão com juros mais altos. Mas a eficácia da política monetária é reduzida, seja porque os preços administrados não respondem à contração da demanda, seja pela indexação de enorme massa de recursos financeiros à taxa Selic , seja ainda porque a credibilidade do Banco Central, ainda que em franca ascendência, ainda não está esculpida em mármore.
Essa ineficácia implica juros mais elevados, agravando o debilitado estado da economia, não só onerando as finanças públicas, como também aumentando o flagelo do desemprego. Ou seja, a doença era grave, e os efeitos colaterais do remédio, perturbadores. Tudo o que não se desejava.
A queda expressiva do risco Brasil, talvez hoje a medida mais sintética de nossas agruras, abriu caminho para uma reversão impressionante desse quadro. Três foram as razões essenciais para esse movimento que aliviou o torniquete da nossa dependência externa. O primeiro nada tem a ver conosco: a forte queda dos juros internacionais naturalmente redirecionou investidores internacionais mais ousados para países emergentes. Desde outubro do ano passado, o indicador de risco desses países caiu mais de 40%.
A segunda razão tem a ver com as expectativas. Ainda que no início tenha havido quem o atribuísse mais à conveniência do que à convicção, o fato é que o compromisso do novo governo com a ortodoxia monetária e a austeridade fiscal vem sendo comprovado diariamente por pensamentos, palavras e obras.
O terceiro ponto é muito objetivo. A reviravolta nas contas externas, o lado bom da desvalorização cambial, provocou uma geração de dólares que é mais que suficiente para o cumprimento das obrigações externas. Ao mostrar o dinheiro em cima da mesa, o Brasil prova, mais do que no campo das intenções, que é uma boa aposta.


Nas atuais condições, não há outra alternativa para combater a inflação elevada senão com juros mais altos


A inflação também tem apresentado resultados muito importantes. O índice da Fipe de junho é o menor em mais de três anos. O IGPM do mês passado foi o mais baixo desde que essa medida de inflação começou a ser calculada, em 1989. Por outro lado, são evidentes os sinais de cianose da economia. A produção de veículos no segundo trimestre de 2003 foi 14,7% menor que a do trimestre anterior, já considerando as variações sazonais. A produção de papelão ondulado, tradicional indicador antecedente, caiu também 14% entre junho de 2003 e junho de 2002. A taxa de desemprego na Grande São Paulo, calculada pela Fundação Seade, alcançou 20,6% no mês passado. Em que pese a interpretação polêmica desse número, o fato é que essa é a taxa mais alta desde que a série começou a ser calculada, em 1985.
Os que ficaram empregados também pouco comemoram. O rendimento médio real das pessoas ocupadas, medido pelo IBGE, caiu 6% nos últimos 12 meses, contados até maio.
É hora de reduzir os juros. De certa forma, o próprio mercado financeiro já se antecipou a essa necessidade. As taxas de aplicação para um ano giram em torno de 20,5%, muito menos do que a taxa referencial para um dia, ainda em 26%. Essa inversão é muito rara e estranha na economia brasileira. A liquidez do mercado internacional, que não é definitiva, mas que é mais que um espasmo, também avaliza o corte dos juros. Quanto mais expressiva essa queda, mais rápida poderá ser a retomada do nível de atividade. Isso não resolve tudo, mas tudo é mais difícil sem isso. Todos queremos o crescimento e tudo de bom que vem com ele.


Luís Eduardo Assis, 46, é diretor-executivo do HSBC Bank Brasil S.A. e diretor-superintendente do HSBC Investment Bank. Foi diretor de Política Monetária do Banco Central do Brasil (1991-92).


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