São Paulo, terça-feira, 21 de agosto de 2001

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A andropausa e as bolinhas do macaco

MIGUEL SROUGI


Recomendo a todos os homens maduros que caminhem bastante, bebam muito vinho e parem de fumar


Uma vez perguntaram a Woody Allen como ele queria ser imortalizado. "Vivendo para sempre", respondeu. Questões como a finitude da vida ou a fragilização física que atinge os homens maduros sempre afligiram a mente humana e, para explicá-las, uma vilã foi identificada: a andropausa.
Apesar do grande número de estudos relacionados ao tema, a existência da andropausa é objeto de controvérsia médica. Alguns estudiosos consideram-na uma entidade clínica real, mas com características diferentes da menopausa, cuja existência é inquestionável e se manifesta em todas as mulheres por meio de uma diminuição abrupta, quase total, dos hormônios produzidos pelos ovários. A andropausa seria um processo não tão óbvio, com três aspectos que a distinguem da menopausa: atinge apenas parte dos homens e verifica-se uma queda lenta do hormônio masculino, a testosterona, e essa queda nunca é total. Então surgem sintomas que tanto incomodam, como redução da potência sexual, perda de memória, depressão, diminuição da força e da massa muscular e descalcificação óssea.
Para os especialistas que acreditam na andropausa, esses transtornos se relacionariam à redução dos níveis de testosterona. As taxas desse hormônio caem de 1% a 2% ao ano, a partir dos 40 anos, trazendo uma deficiência significativa quando o homem atinge 60 ou 70 anos. Essa deficiência seria mais pronunciada em indivíduos obesos e nos submetidos a estresse constante.
Para os adeptos dessa concepção, a administração de testosterona teria a capacidade de reverter os efeitos da andropausa. Já em tempos remotos, desconfiava-se de que algum humor produzido pelos testículos seria capaz de rejuvenescer os homens maduros. Voronoff, um cirurgião argelino do início do século passado, celebrizou-se com os implantes de "monkey glands", testículos de bodes ou de macacos que eram macerados e injetados em fiéis crédulos, com a promessa de resgatar o vigor físico e mental. Voronoff ficou rico com suas poções mágicas, mas nem por isso deixou de morrer precocemente.
Nos tempos modernos, injeções, comprimidos e cremes cutâneos de testosterona têm sido fornecidos a homens ditos em andropausa, agora com maior embasamento científico. Estudos confiáveis demonstraram que homens tratados com doses elevadas de testosterona apresentam um aumento significativo da massa muscular, menor descalcificação óssea e, às vezes, aumento do apetite sexual. Outros estudos sugerem melhora do humor, de quadros de depressão, da memória e da ereção.
Essas observações têm sido muito divulgadas, seduzindo até jovens fixados em esculpir o corpo -o que explica o consumo de testosterona e de seus derivados, ditos anabolizantes, movimentar cerca de US$ 6 bilhões nos EUA, em 1997. Mas nem todos aceitam a andropausa como um fenômeno biológico.
Muitos pesquisadores atribuem o processo de incômodos e de fragilização física do homem maduro a um conjunto de perdas e deficiências, entre as quais a redução das taxas de testosterona seria mais um componente. Os sintomas observados nessa fase da vida estariam associados a quatro fatores: ao envelhecimento e à perda da função de diferentes células do organismo; às variações de uma ampla gama de hormônios, como o hormônio do crescimento e os hormônios das glândulas adrenais; ao estilo de vida e às influências do ambiente, incluindo-se os hábitos alimentares, o estresse, o nível de atividade física e a ação de agentes nocivos ambientais; e, em último lugar, à presença e à ação de doenças crônicas, como hipertensão, obesidade, diabetes etc.
Essa concepção explica a administração de testosterona não reverter todos os sintomas da chamada andropausa. Os benefícios desse hormônio restringem-se ao aumento da massa muscular e a uma menor descalcificação óssea.
O emprego de testosterona tem vários inconvenientes, incluindo dor e aumento dos mamilos, efeitos tóxicos sobre o fígado, acúmulo de água e sal no organismo, apnéia do sono, aumento da taxa de glóbulos vermelhos e elevação da fração ruim do colesterol, o LDL. Esses efeitos aparecem em poucos pacientes, mas podem ter implicações clínicas bem negativas. Mais importante, a administração de testosterona pode alimentar um câncer de próstata já existente. A testosterona não causa esse tipo de tumor, mas serve de combustível para ele, podendo provocar sua disseminação quando utilizada continuamente.
Na literatura médica, vê-se que até hoje não foi possível definir se os benefícios do uso da testosterona são maiores que os seus inconvenientes. Como urologista, afeito ao efeito devastador do câncer da próstata disseminado, confesso que não me deslumbro com o emprego rotineiro desse hormônio em homens maduros. Mas não me oponho obstinadamente. Quando um paciente expressar seu desejo de receber a medicação, ele deve ser orientado quanto aos efeitos positivos e negativos. Se optar pelo tratamento, que seja submetido a um estudo preventivo, para descartar a presença de câncer na próstata.
Voronoff prometia a juventude com as "monkey glands"; alguns médicos modernos a prometem com poções de testosterona. Outros, mais céticos, não sabem como enfrentar a desolação da decadência física. Sugestões não têm faltado. Um grupo de pesquisadores do Havaí acompanhou um grupo de homens aposentados por 12 anos e demonstrou que a mortalidade daqueles que caminhavam mais de duas milhas por dia foi cerca de 50% menor do que nos que caminhavam menos de uma milha. Outro estudo, publicado em 1999 pelos americanos Tan e Philip, mostrou que os sintomas da andropausa surgem mais frequentemente em homens que fumam mais de dez cigarros por dia, mas não nos afeitos a bebidas alcoólicas.
Enquanto os médicos não chegam a um consenso sobre a andropausa ou as vantagens definitivas do uso de testosterona, recomendo a todos os homens maduros que caminhem bastante, bebam muito vinho e parem de fumar. Se irão evitar as rugas, a perda de memória ou os incômodos da senescência, não garanto, mas atravessarão os anos mais ágeis, mais alegres e tossindo menos.


Miguel Srougi, 54, é professor titular de urologia da Escola Paulista de Medicina e doutor em urologia pela Universidade Harvard (EUA).



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