São Paulo, sábado, 21 de agosto de 2004

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LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

Cavar mais fundo

As eleições parecem ainda não atrair o povo, em parte decepcionado por não ver suas expectativas correspondidas. No entanto é preciso reavivar a confiança e acreditar nas reservas morais que existem no coração de nossa gente e nas reais possibilidades de desenvolvimento nacional.
Há um primeiro nível de confiança que é mais fácil despertar e que atende às exigências do bem-estar imediato, como o alimento, a moradia, o trabalho e toda a sorte de políticas públicas que responda à necessidade de educação, de saúde e de segurança. Nessa perspectiva, incluem-se os programas de candidatos e partidos em vista das melhorias tão esperadas pelo povo.
A reunião realizada ontem, 20 de agosto, em Brasília, da comissão da CNBB responsável pela superação da fome e da miséria, apresentou amplo relatório das múltiplas conquistas nestes dois anos. Cresceu o senso de justiça social. A solidariedade vem se manifestando nas cisternas do semi-árido, nas hortas comunitárias, na educação nutricional e ecológica. Cooperativas de economia solidária, incentivos à agricultura familiar e outros projetos de inclusão social.
No entanto o atendimento desejado a esse amplo leque de necessidades imediatas não é suficiente para fundamentar a confiança de dias melhores no coração do povo. É preciso "cavar mais fundo" e atingir o nível dos valores morais e religiosos.
No último século, houve grave detrimento no patrimônio moral da humanidade, com enorme perda de valores que devem ser novamente reconquistados.
O mundo ocidental capitalista supervalorizou a concentração de bens materiais, subordinou os valores espirituais à dimensão econômica, gerou o consumismo e maiores injustiças sociais.
O empobrecimento de valores tornou-se mais grave pela educação materialista que, a partir do Leste Europeu, durante decênios, desrespeitou a consciência, cerceou a liberdade de culto e tentou impor o ateísmo. O materialismo próprio da opção capitalista e a opressão doutrinal comunista criaram um vazio espiritual e moral sem precedentes que lesou profundamente a nova geração, vítima da amargura, da droga, da violência e do desânimo diante da vida.
Essa situação precisa ser superada para que haja confiança e paz interior. Mas isso requer a fidelidade da consciência à sua exigência mais íntima que é a abertura ao transcendente, o anseio de conhecer e amar a Deus e de descobrir em cada pessoa humana a dignidade de amar e de ser amado.
O encontro com Deus no mais íntimo de cada um de nós é a experiência mais bela de nossa existência e há de suscitar a confiança plena e a alegria de viver e de conviver.
A fé em Deus sustentará a coragem e a paciência diante das dificuldades e desafios na certeza de que a solidariedade é possível, o amor vale mais e o bem há de vencer o mal.
Para confiar temos de aprender a cavar mais fundo.


Dom Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.


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