São Paulo, Sábado, 21 de Agosto de 1999
Próximo Texto | Índice

CADÁVERES INSEPULTOS

Na época do morticínio de Eldorado do Carajás, 1996, o presidente Fernando Henrique Cardoso declarou: "Que ponham na cadeia, e já, o responsável, ou ninguém mais vai acreditar neste país". O presidente também se referia indiretamente à péssima imagem internacional do Brasil no que diz respeito aos direitos humanos, outra vez degradada devido a mais uma batelada de mortes provocada por agentes do Estado.
Mas a descrença maior e mais importante, com a qual também o presidente voltou a dar mostras de preocupação, é em relação à Justiça, a impressão geral de que, neste país, matar muita vez não custa cadeia, ou até não custa nada. Depois da conclusão da primeira rodada de julgamentos dos acusados da chacina em Eldorado, entrevê-se que há o risco considerável de que se chegue à conclusão de que os 19 sem-terra perderam a vida naquele sertão miserável por obra do acaso ou do sobrenatural. Talvez ninguém venha a ser culpado.
Pode-se argumentar que, enfim e ao menos, há um julgamento; que a sede do tribunal foi transferida para cidade menos conturbada; que foi dada publicidade ao caso. Mas o inquérito foi grandemente prejudicado por não haver perícia decente ou por que, de modo suspeito, as armas dos policiais do massacre não estavam identificadas. Não houve como individualizar acusações de homicídio.
No entanto, tais argumentos seriam apenas agravantes de uma história revoltante, repleta de inépcias e de descaso com o direito. De resto, o julgamento está sujeito a sérias críticas: um jurado falou demais, a ponto de influenciar indevidamente os colegas; os quesitos do julgamento eram algo contraditórios. Talvez o julgamento venha a ser anulado e, graças ao gesto solitário de um promotor, a sequência de júris seja interrompida.
Ainda assim, parecem muito precárias as perspectivas de que esse processo venha a ser satisfatório. Será preciso muita criatividade jurídica, empenho e pressão social para que os cadáveres não sejam atirados ao oblívio e ao pântano da impunidade.
Para que assim não seja, é preciso que os interessados na Justiça ainda tentem buscar não só quem atirou ao léu ou com o objetivo de chacinar os sem-terra. Que se identifiquem também os responsáveis por ter enviado e colocado em ação, contra uma turba violenta e revoltada, uma tropa inepta e irregularmente armada.


Próximo Texto: Editorial: SECTARISMO ANTIABORTISTA
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.