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CADÁVERES INSEPULTOS
Na época do morticínio de Eldorado do Carajás, 1996, o presidente Fernando Henrique Cardoso declarou:
"Que ponham na cadeia, e já, o responsável, ou ninguém mais vai acreditar neste país". O presidente também se referia indiretamente à péssima imagem internacional do Brasil
no que diz respeito aos direitos humanos, outra vez degradada devido a
mais uma batelada de mortes provocada por agentes do Estado.
Mas a descrença maior e mais importante, com a qual também o presidente voltou a dar mostras de preocupação, é em relação à Justiça, a impressão geral de que, neste país, matar muita vez não custa cadeia, ou até
não custa nada. Depois da conclusão
da primeira rodada de julgamentos
dos acusados da chacina em Eldorado, entrevê-se que há o risco considerável de que se chegue à conclusão de
que os 19 sem-terra perderam a vida
naquele sertão miserável por obra do
acaso ou do sobrenatural. Talvez ninguém venha a ser culpado.
Pode-se argumentar que, enfim e
ao menos, há um julgamento; que a
sede do tribunal foi transferida para
cidade menos conturbada; que foi
dada publicidade ao caso. Mas o inquérito foi grandemente prejudicado
por não haver perícia decente ou por
que, de modo suspeito, as armas dos
policiais do massacre não estavam
identificadas. Não houve como individualizar acusações de homicídio.
No entanto, tais argumentos seriam apenas agravantes de uma história revoltante, repleta de inépcias e
de descaso com o direito. De resto, o
julgamento está sujeito a sérias críticas: um jurado falou demais, a ponto
de influenciar indevidamente os colegas; os quesitos do julgamento eram
algo contraditórios. Talvez o julgamento venha a ser anulado e, graças
ao gesto solitário de um promotor, a
sequência de júris seja interrompida.
Ainda assim, parecem muito precárias as perspectivas de que esse processo venha a ser satisfatório. Será
preciso muita criatividade jurídica,
empenho e pressão social para que
os cadáveres não sejam atirados ao
oblívio e ao pântano da impunidade.
Para que assim não seja, é preciso
que os interessados na Justiça ainda
tentem buscar não só quem atirou ao
léu ou com o objetivo de chacinar os
sem-terra. Que se identifiquem também os responsáveis por ter enviado
e colocado em ação, contra uma turba violenta e revoltada, uma tropa
inepta e irregularmente armada.
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