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SECTARISMO ANTIABORTISTA
Uma menina capixaba de 10 anos
foi ontem submetida a uma cirurgia,
em ambiente limpo, atendida por
profissionais credenciados, com o
objetivo de interromper uma gravidez, mais que indesejada, decorrente
da inominável violência que é o estupro. Se, após décadas no limbo, não
tivesse passado a ter efeitos práticos
mais amplos o dispositivo do Código
Penal que permite o aborto em certos
casos, talvez essa jovem estivesse sujeita a violências ainda maiores.
Por exemplo, essa criança poderia
ser vítima de receitas caseiras inomináveis e perigosas para interromper
sua gestação. Talvez fosse vítima de
gente inescrupulosa e incapaz, que
poderia infectá-la, acabar com suas
chances futuras de uma gravidez saudável ou mesmo matá-la numa clínica clandestina de aborto.
Hoje, felizmente, hospitais da rede
pública podem atender gestantes, em
geral as mais pobres, na situação dramática da menina capixaba, desde
que obedeçam a normas baixadas pelo governo federal. A sociedade parece aceitar cada vez mais legislação
mais tolerante em relação ao tema.
Juízes têm autorizado a interrupção
da gestação de crianças que não teriam chance nenhuma de sobrevida.
No entanto, um insistente lobby e o
deputado Severino Cavalcanti (PPB-PE) querem dar cabo legal dessa tendência mais tolerante; querem fechar
as portas dos hospitais públicos para
aquelas gestantes. O deputado quer
fazer que o Congresso como que revogue o tratamento mais humanitário dessa questão tão dolorosa.
Como esta Folha já observou, em
casos de estupro ou da terrível inviabilidade da vida da criança, por que
dar a um dogma a força de lei e impor
a mães e pais um sofrimento adicional, a eles que devem enfrentar sozinhos uma situação em si já tão penosa? O argumento da defesa da vida e
da dignidade humana, no caso do
antiabortismo sectário, acaba por incorrer em falta de generosidade e
mesmo na violência de submeter outrem a um sofrimento incompatível
com a vida digna que dizem prezar.
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