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CARLOS HEITOR CONY
Anedota de Bocage
RIO DE JANEIRO - Não dá para entender a onda feita contra a Benedita
da Silva. Evidente que sua viagem foi
macetada, paga pelos cofres públicos,
quando o motivo real de sua ida à
Argentina era um compromisso pessoal, de fundo religioso. Evidente que
ela entrou em processo de fritura, é
uma ministra mais ou menos decorativa, como a maior parte dos atuais
ministros, uma vez que contam apenas uns cinco ou seis que realmente
têm acesso às decisões de governo.
Mas é ministra, afinal de contas. E
ministra do PT do Rio de Janeiro, que
me parece o primo pobre da constelação que está no poder. Além disso, é
negra e evangélica, dois atributos que
de certa forma a discriminam, embora o partido, com Lula à frente, negue
de pés juntos, mas em vezes separadas, qualquer tipo de discriminação
entre seus adeptos.
Pior mesmo foi a atitude do vice-presidente José Alencar, propondo-se
a bancar o custo da viagem da Benedita. Não foi gasta nenhuma fortuna,
e o Alencar parece que é homem de
fortuna e de bom coração, nasceu em
Ubá, terra do Ary Barroso. Mas seu
gesto me lembrou velha piada atribuída a Bocage.
Numa reunião da alta sociedade,
uma dama em evidência solta um arroto estrondoso, desses de arrasar
quarteirão. Além do mais, o arroto
cheirava a alho, que comera com voracidade pouco antes, num bacalhau
caprichado. Envergonhada, as faces
vermelhas pelo vexame dado, ela
procurou disfarçar, como se nada tivesse acontecido. Mas Bocage, que estava na mesma roda, decidiu limpar
a barra e assumiu a culpa: "O arroto
que esta senhora deu não foi ela que
deu, fui eu que comi muito alho e arrotei".
Por que estou contando uma piada
de Bocage? O maior sonetista da nossa língua, depois de Camões, gerou
um anedotário obsceno, hoje em decadência, superado pelos novos tempos. Mas volta e meia, tal como
Freud, ele explica sempre alguma
coisa.
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