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São Paulo, terça-feira, 21 de outubro de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

Anedota de Bocage

RIO DE JANEIRO - Não dá para entender a onda feita contra a Benedita da Silva. Evidente que sua viagem foi macetada, paga pelos cofres públicos, quando o motivo real de sua ida à Argentina era um compromisso pessoal, de fundo religioso. Evidente que ela entrou em processo de fritura, é uma ministra mais ou menos decorativa, como a maior parte dos atuais ministros, uma vez que contam apenas uns cinco ou seis que realmente têm acesso às decisões de governo.
Mas é ministra, afinal de contas. E ministra do PT do Rio de Janeiro, que me parece o primo pobre da constelação que está no poder. Além disso, é negra e evangélica, dois atributos que de certa forma a discriminam, embora o partido, com Lula à frente, negue de pés juntos, mas em vezes separadas, qualquer tipo de discriminação entre seus adeptos.
Pior mesmo foi a atitude do vice-presidente José Alencar, propondo-se a bancar o custo da viagem da Benedita. Não foi gasta nenhuma fortuna, e o Alencar parece que é homem de fortuna e de bom coração, nasceu em Ubá, terra do Ary Barroso. Mas seu gesto me lembrou velha piada atribuída a Bocage.
Numa reunião da alta sociedade, uma dama em evidência solta um arroto estrondoso, desses de arrasar quarteirão. Além do mais, o arroto cheirava a alho, que comera com voracidade pouco antes, num bacalhau caprichado. Envergonhada, as faces vermelhas pelo vexame dado, ela procurou disfarçar, como se nada tivesse acontecido. Mas Bocage, que estava na mesma roda, decidiu limpar a barra e assumiu a culpa: "O arroto que esta senhora deu não foi ela que deu, fui eu que comi muito alho e arrotei".
Por que estou contando uma piada de Bocage? O maior sonetista da nossa língua, depois de Camões, gerou um anedotário obsceno, hoje em decadência, superado pelos novos tempos. Mas volta e meia, tal como Freud, ele explica sempre alguma coisa.


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