|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OTAVIO FRIAS FILHO
Hegemonias
Por maiores que sejam as diferenças, parece haver um traço em
comum nas transições políticas que
estão ocorrendo no Brasil e na Turquia. País de ampla maioria muçulmana, a Turquia adotou o Estado laico e a separação entre política e religião no começo do século 20. Tem sido tradicional aliada do Ocidente desde a Segunda Guerra (1939-1945).
As eleições de 3 de novembro deram
o governo a um partido islâmico, o
AKP, que venceu após sofrer reformulação comparável à do PT. Sigla para
Partido da Justiça e do Desenvolvimento, o AKP comprometeu-se a respeitar os compromissos internacionais da Turquia e as normas do Estado
laico, abrindo mão de implantar a
"sharia", as leis religiosas do Islã.
De uma perspectiva liberal, a leitura
é a de que normas e valores ligados ao
capitalismo liberal-democrático estão
se universalizando. Grupos situados
mais à margem no espectro político se
voltam para o centro, renunciam a
suas pretensões mais radicais e, por isso mesmo, chegam ao poder pelo voto, e não pelas armas.
De um ponto de vista de esquerda, a
evolução desses partidos faz lembrar o
pensamento de Antonio Gramsci, o líder comunista italiano que escreveu
enquanto preso pela ditadura de Mussolini. Os escritos de Gramsci tiveram
influência na esquerda brasileira, sobretudo nos anos 70, quando conceitos como "sociedade civil" e "hegemonia", que ele usou, entraram para o
jargão local.
Ao contrário das expectativas de
Marx e de seus seguidores, a revolução
não acontecera nos países mais desenvolvidos. Na época de Gramsci ela só
fora vitoriosa na Rússia -e, mais tarde, em outros países atrasados da Ásia
e da África. Mesmo onde venceu, ela
deu origem a uma ditadura burocrática, que na China se prolonga até hoje.
Em síntese brutal, a concepção de
Gramsci era que, em países mais desenvolvidos, não basta tomar o governo e controlar o exército. Seria preciso
antes formar um "bloco histórico" de
alianças que permitisse conquistar a
"hegemonia" no âmbito da "sociedade civil", as organizações de poder que
estão fora da órbita do Estado.
Sem esse lento e persistente trabalho
pelo qual a conquista do Estado aconteceria, por assim dizer, de fora para
dentro, a revolução estaria condenada
à derrota (como na Alemanha) ou a se
converter em Estado policial (como
na Rússia, embora Gramsci, que morreu em 1937, não tenha rompido com
o regime comunista).
A dúvida sempre foi saber se, depois
desse processo, ainda haveria revolução. O eurocomunismo, em voga nos
anos 70 e fruto das concepções de
Gramsci, significou a conversão dos
PCs europeus à social-democracia. O
PT parece encaminhado em direção
semelhante. Obteve, enfim, a "hegemonia" ou simplesmente aderiu à
"hegemonia" anterior?
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Águas quentes Próximo Texto: Frases
Índice
|