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CARLOS HEITOR CONY
Águas quentes
RIO DE JANEIRO - Já disseram que a fama é a soma de vários equívocos. E,
tantos maiores são os equívocos,
maior é a fama. Há uma peça de Feydeau, bem ao estilo dele, filmada na
Inglaterra com Allec Guiness e Gina
Lollobrigida nos papéis principais,
em que as duas coisas -a fama e o
equívoco- ficam bem explicitados.
Como sempre acontece no teatro do
vaudeville, há confusões e mal-entendidos durante toda a peça, um adultério a ser consumado num hotel onde, por acaso, se hospedam outros
personagens ligados ao casal disposto
a violar o nono mandamento da
Santa Lei de Deus.
Com dor na coluna, o adúltero em
potencial pede um saco de água
quente na recepção, volta para o
quarto onde a adúltera o espera. Nisso esbarra com um amigo que o visitara há pouco e que estranha vê-lo ali
no hotel. Por que não estava ele em
sua casa, com sua mulher?
Sem saber o que responder, o adúltero é salvo pelo porteiro que lhe entrega o saco de água quente. "O que é
isso?" -pergunta-lhe o amigo.
"Você nunca ouviu falar das águas
quentes deste hotel? São muito conhecidas. Quando sabe que venho à
cidade, minha mulher sempre me recomenda: "Bonifácio, não se esqueça
de passar no hotel e me traga um
pouco das famosas águas quentes"."
Taí um tipo de fama, a das águas
quentes daquele hotel. Na peça de
Feydeau, as confusões continuam até
o final, quando certamente as águas
quentes já deixaram de ser quentes,
tornam-se simplesmente águas, mas
continuam famosas.
Pois aí reside o mistério e o encanto
da fama. Ela não precisa de apoio na
realidade. Estou lembrando essas
águas quentes porque fiquei sabendo
que no Piauí há uma famosa cachoeira de águas quentes. Não pretendo ir lá testar tamanha fama.
Mas ficaria grato se alguém me mandasse uma garrafa da milagrosa
água.
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