São Paulo, terça-feira, 21 de dezembro de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Corridas bancárias e manchas solares
ROBERTO LUIS TROSTER
Nesse exemplo metafórico, uma mancha solar é a causa dos problemas de um banco -e o estopim de uma crise, quando existe a possibilidade de insolvência, precipitando, dessa forma, a corrida ao banco. Embora seja irracional sacar depósitos de um banco solvente, é racional sacar primeiro, antecipando uma corrida, pois, como os bancos operam com reservas fracionárias, apenas os que primeiro sacam o conseguem no caso de uma insolvência. A "mancha solar" pode ser um evento econômico qualquer que os agentes selecionem como relevante, tais como um balanço fraco, um relatório do governo tornado público ou uma corrida a outros bancos. A avaliação da solidez financeira de um banco é uma atividade complexa e os depositantes dependem de sinais, como relatórios de empresas de "rating" (especializadas em aferir a saúde financeira de bancos) ou até um boato não fundamentado em fatos, para avaliar a solvência do mesmo. Para evitar corridas e seus efeitos nefastos há duas recomendações de política: a primeira é manter o sistema saudável, eliminando instituições problemáticas, e a segunda é a de aplicar o princípio de Thornton, economista do século 18, que indica que, numa crise financeira, deve-se injetar liquidez no sistema rapidamente, com o propósito de evitar sua propagação e seus efeitos perversos. É fato, o Brasil possui um dos sistemas bancários mais sólidos do planeta. À diferença de outros países, nossos bancos souberam preservar a riqueza financeira da nação ao longo das últimas décadas, em meio à turbulência macroeconômica em que abundaram mudanças de contratos, cláusulas de indexação, alíquotas de tributos, modificações do padrão monetário, planos heterodoxos etc. A segurança do sistema bancário é um ponto positivo sempre destacado em avaliações do Brasil: o índice de capitalização médio (Basiléia) dos bancos brasileiros é mais que o dobro do recomendado para os bancos em todo o mundo; há uma tradição rica em gerenciamento de riscos e no enfrentamento de turbulências; existe um seguro de depósito privado; a supervisão está dotada de bons instrumentos de ação e com sistemas desenvolvidos para avaliar informações. No mês passado ocorreu uma intervenção em um banco no Brasil. Foi um caso isolado e com especificidades peculiares, em que o Banco Central, ao detectar um problema, agiu rapidamente, adotando a prescrição correta: ressarcindo os depositantes menores em até R$ 20 mil, procedendo a uma investigação primorosa para solucionar as pendências de todos os envolvidos e injetando liquidez no sistema, com o abrandamento do recolhimento de depósitos compulsórios a prazo, e flexibilizando as aplicações do FGC (Fundo Garantidor de Crédito). Entretanto houve um princípio de nervosismo, já superado. Duas razões -"manchas"- explicam a agitação. A primeira foi o erro de avaliação de algumas empresas de "rating", atribuindo uma saúde financeira boa ao banco que sofreu a intervenção e gerando, dessa forma, a percepção de que poderia haver mais erros de avaliação de bancos. A segunda razão -"mancha"- foram as declarações alarmistas de que haveria mais bancos com problemas. Neste momento, em que todos os problemas estão bem encaminhados, impõe-se uma investigação cuidadosa do nervosismo causado. São necessárias explicações detalhadas das duas "manchas": o porque da avaliação positiva de um banco com problemas e o porque de declarações alarmistas após a solução dos problemas. O sistema bancário brasileiro tem uma contribuição importante a dar no ciclo de crescimento que se inicia e não pode ficar refém de análises superficiais e distorcidas. Roberto Luis Troster, 54, doutor em economia pela USP, professor titular do Departamento de Economia da PUC-SP, é o economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Bertrand de Orleans e Bragança: Só o tempo dirá Índice |
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