São Paulo, terça-feira, 21 de dezembro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Só o tempo dirá

BERTRAND DE ORLEANS E BRAGANÇA

Cessado o frenesi que tomou conta de parte da mídia mundial a propósito das eleições presidenciais norte-americanas, constatou-se que muitos órgãos de informação e institutos de pesquisa, alimentados por seu "wishfull thinking" a respeito da verdade do senador John Kerry, tinham falhado redondamente na avaliação da realidade político-social americana, traduzida na "inesperada" e incontestável vitória de George W. Bush.
Saltou aos olhos de todos a realidade. Foi então que se "descobriu" a existência de uma "América profunda", de uma vasta onda de conservadorismo que, bem ao contrário do mito marxista, dava mais importância às idéias, aos valores morais e religiosos do que aos temas econômicos e financeiros.
Esse fenômeno não é novo. Em minhas viagens aos Estados Unidos tenho podido acompanhar de perto a evolução dessa tendência, que começou a se esboçar há mais de duas décadas.
Trata-se de uma modificação profunda que se vai operando em amplos e importantes setores da nação norte-americana, no sentido de fazer com que os ambientes, os costumes, o próprio "american way of life" voltem a se conformar com princípios e padrões ditos antiquados.


Não existirá também um "Brasil profundo"? Um Brasil que fica à margem da mídia e dos projetores da publicidade?


A evolução permissivista e extravagante das modas, dos hábitos e dos costumes, largamente inculcada por jornais, revistas, rádios, televisão e cinema, oprimia esse filão e o colocava como marginal na sociedade. Entretanto essa América profunda mostrou estar amplamente enraizada e revelou uma tonificação admirável dos valores familiares. A derrota do casamento homossexual nos 11 plebiscitos estaduais foi disso um exemplo incontestável. O que se soma à valorização crescente da castidade e do casamento entre os jovens, bem como à oposição ao aborto.
Viu-se igualmente que, em contraste com o espírito acomodatício e entreguista, o americano médio não se deixa intimidar pela agressão externa e está disposto a enfrentar com firmeza riscos e incertezas.
Enfim, temos a impressão de assistir a uma insurreição do público contra a ditadura do politicamente correto. A América profunda mostrou que hoje não é atrasado quem defende os valores da tradição, da família e da propriedade. Atrasados são aqueles que, embaídos por utopias fracassadas, negam-se a ver a realidade e ignoram a imensa rotação que se vai produzindo em importantes setores de uma nação que exerce papel decisivo no mundo e é presentemente o grande baluarte do Ocidente cristão.
Pergunto-me se as esquerdas brasileiras, de todos os matizes e condições -partidárias, eclesiásticas, intelectuais ou outras-, estão aptas a compreender esse fenômeno. Tenho a impressão de que o curso da história, conduzido pela mão de Deus, vai mudando, o mundo vai se transformando, mas elas permanecem insensivelmente estáticas.
Não existirá também um "Brasil profundo"? Um Brasil que fica à margem da mídia e dos projetores da publicidade, mas cuja existência nem por isso deixa de ser real?
As recentes eleições municipais constituíram, a meu ver, uma grande lição para esses mercadores de ilusões, que parecem sempre imaginar a opinião pública brasileira como uma imensa massa a caminhar inelutavelmente para a esquerda. Afinal, não foi esse Brasil profundo, habitualmente pacato e até indolente, que se manifestou, sobretudo nas derrotas que infligiu?
Enquanto refletia sobre esses temas, vieram-me à lembrança os embates político-ideológicos travados no país, na década de 80, a propósito da Constituinte. Na contramão da história, nossos legisladores dedicavam-se a preparar um texto constitucional de forte cunho esquerdista e socializante.
Com a sabedoria e a penetração de espírito que lhe eram peculiares, Plinio Corrêa de Oliveira advertia então, em seu livro "Projeto de Constituição Angustia o País", acerca desse Brasil profundo que nossos políticos pareciam ignorar. Um Brasil marcadamente majoritário, em contraste com um Brasil de superfície, cosmopolitizado e afinado com as últimas modas, indumentárias, ideológicas ou outras:
"À medida que o Brasil de superfície caminhe para a extrema esquerda, irá se distanciando mais e mais do Brasil de profundidade. E este último irá despertando, em cada região, do velho letargo. E de futuro os que atuarem na vida pública de nosso país terão de tomar isso em consideração. E, em vez de olharem tão preponderantemente para o Brasil cosmopolitizado que se agita, terão de olhar para o Brasil conservador que constitui parte da população dos grandes centros e se patenteia mais numeroso na medida em que a atenção do observador desce das grandes cidades para as médias, das médias para as pequenas e destas últimas, já meio imersas no campo, para nossas populações especificamente rurais".
Prestarão, por fim, atenção a esse "Brasil profundo" os homens que têm em mãos a política de nosso país? Só o tempo dirá.

Bertrand de Orleans e Bragança, 63, tetraneto do imperador dom Pedro 1º, é diretor de relações institucionais da TFP-Fundadores.


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