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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Águas republicanas
SÃO PAULO - Não consigo ter
simpatia pela greve de fome de d.
Luiz Cappio. Sua atitude, de quem
se submete à privação e ao martírio,
pondo em risco a própria vida em
nome de uma causa superior, parece-me uma manifestação extrema
do masoquismo católico -um dos
traços definidores dessa religião.
Associado à sorte dos pobres, em
nome de quem sempre falou, o sofrimento que o bispo se auto-infligiu teve o efeito de provocar uma
corrente de identificação e solidariedade pelo país. O engajamento
de artistas na luta em "defesa do
rio" acabou por converter a transposição num caso de grande apelo
emocional, um drama mexicano.
Está fora de dúvida que sejam
pessoas de boa-fé, ou movidas por
bons sentimentos. Mas emoção e
desinformação andam de mãos dadas -e neste caso certamente não
são boas companhias. Pareceria até
cômico, não fosse antes trágico, que
uma liderança religiosa se torne o
ponto de referência da discussão de
um tema que exige a mobilização de
tantos conhecimentos técnicos.
O maniqueísmo católico não costuma ser amigo do pensamento. E a
igreja, lembre-se, é uma das grandes responsáveis pelo lobby obscurantista em relação ao aborto, além
de sustentar posição criminosa ao
proibir o uso da camisinha. Não sei
o que Cappio diria a respeito.
A obra do São Francisco consta
do programa de governo de Lula.
Foi discutida em audiências públicas. Obteve a licença ambiental e
removeu todos os entraves legais. É
controvertida? Não há dúvida.
Há quem considere seus efeitos
socialmente escassos ou muito duvidosos diante de investimento tão
faraônico. O grande beneficiário,
diz-se, seria o agronegócio.
Há ainda quem veja na transposição uma mina de ouro para o financiamento de futuras campanhas. É,
de fato, a maior obra do PAC, injeção bilionária de dinheiro do Orçamento no cofre das empreiteiras.
O governo fez sua escolha e tem
seus argumentos. O país é laico e o
regime, republicano. Melhor assim.
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