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ANTONIO DELFIM NETTO
Autonomia do Banco Central
O problema da autonomia operacional com responsabilidade
do Banco Central é complexo. Ela foi
sendo lentamente concedida em vários países. É hoje prática quase universal. Não se trata de questão que
possa ser resolvida "ideologicamente", como parecem supor alguns renitentes PT-jacobinos, ainda um pouco
confusos com a exuberância de poder
resultante da vitória em Pindorama.
Vitória que, gostem ou não, foi dada
ao seu líder exatamente porque ele foi
capaz de ajustar o programa do partido aos novos tempos e de costurar
alianças que aumentaram a sua credibilidade.
Mas por que aquela autonomia? Ela
é produto de uma evolução da teoria
econômica não rejeitada pela intensa
pesquisa empírica do último quarto
de século. Ao longo destes 25 anos, a
verificação empírica foi sugerindo que
a "expectativa de inflação" é uma das
variáveis mais importantes para o
controle da taxa realizada de inflação.
Quando o Banco Central tem credibilidade e o seu comprometimento com
o combate à inflação é absoluto, os
agentes econômicos tendem a formar
as suas "expectativas" em torno da taxa de inflação que ele anuncia como
sua meta, o que coordena salários e
preços. Ter credibilidade significa ter a
capacidade de fazer o que tem de ser
feito com a taxa de juro nominal de
curto prazo para manter a taxa de juro
real de longo prazo igual à taxa de retorno real da economia. A credibilidade não é coisa que se obtenha "ideologicamente" ou "por decreto": é construída por anos de respeito do Banco
Central ao seu compromisso, coisa
que, apesar das dificuldades, o sr. Armínio Fraga vinha fazendo e que esperamos o sr. Meirelles possa continuar.
Uma das objeções contra essa autonomia é que ela produz um "déficit
democrático". O novo governo (eleito
pela maioria do povo) encontra um
Banco Central engessado por mandatos fixos. A sua política econômica
continuará, assim, determinada pelo
poder incumbente que se foi. O que é
pior, controlada por burocratas sem
votos! Esses não são argumentos convincentes. Em primeiro lugar, não é o
Banco Central quem determina a política econômica (política fiscal, política
cambial, políticas públicas microeconômicas etc.). Ela é fixada pelo governo (como é, aliás, a própria "meta de
inflação"). Em segundo lugar, é preciso lembrar que a taxa de câmbio real é
uma variável endógena, formada dentro e nas condições do sistema econômico. Ela não pode ser ditada pelo governo e muito menos pelo Banco Central. O desastre cambial de 1995-98
não deve, portanto, ser atribuído à
"autonomia do Banco Central", mas a
um lamentável erro de política econômica, sustentado pelo presidente FHC
e por seu ministro da Fazenda.
Finalmente, um Banco Central com
total autonomia para a fixação da taxa
de juro nominal de curto prazo é necessário para obrigar a coordenação
entre a política fiscal e a política monetária. É a recusa do Banco Central de
financiar o governo que eleva a taxa de
juro do mercado e os custos do endividamento público, obrigando o poder
incumbente a manter-se em relativo
equilíbrio fiscal. Essa autonomia encontra o seu limite na necessária prestação de contas do Banco Central às
autoridades.
É a resistência ao Tesouro e ao setor
privado que constrói a reputação do
Banco Central como instrumento de
controle da taxa de inflação.
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
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