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São Paulo, quarta-feira, 22 de janeiro de 2003

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ANTONIO DELFIM NETTO

Autonomia do Banco Central

O problema da autonomia operacional com responsabilidade do Banco Central é complexo. Ela foi sendo lentamente concedida em vários países. É hoje prática quase universal. Não se trata de questão que possa ser resolvida "ideologicamente", como parecem supor alguns renitentes PT-jacobinos, ainda um pouco confusos com a exuberância de poder resultante da vitória em Pindorama. Vitória que, gostem ou não, foi dada ao seu líder exatamente porque ele foi capaz de ajustar o programa do partido aos novos tempos e de costurar alianças que aumentaram a sua credibilidade.
Mas por que aquela autonomia? Ela é produto de uma evolução da teoria econômica não rejeitada pela intensa pesquisa empírica do último quarto de século. Ao longo destes 25 anos, a verificação empírica foi sugerindo que a "expectativa de inflação" é uma das variáveis mais importantes para o controle da taxa realizada de inflação. Quando o Banco Central tem credibilidade e o seu comprometimento com o combate à inflação é absoluto, os agentes econômicos tendem a formar as suas "expectativas" em torno da taxa de inflação que ele anuncia como sua meta, o que coordena salários e preços. Ter credibilidade significa ter a capacidade de fazer o que tem de ser feito com a taxa de juro nominal de curto prazo para manter a taxa de juro real de longo prazo igual à taxa de retorno real da economia. A credibilidade não é coisa que se obtenha "ideologicamente" ou "por decreto": é construída por anos de respeito do Banco Central ao seu compromisso, coisa que, apesar das dificuldades, o sr. Armínio Fraga vinha fazendo e que esperamos o sr. Meirelles possa continuar.
Uma das objeções contra essa autonomia é que ela produz um "déficit democrático". O novo governo (eleito pela maioria do povo) encontra um Banco Central engessado por mandatos fixos. A sua política econômica continuará, assim, determinada pelo poder incumbente que se foi. O que é pior, controlada por burocratas sem votos! Esses não são argumentos convincentes. Em primeiro lugar, não é o Banco Central quem determina a política econômica (política fiscal, política cambial, políticas públicas microeconômicas etc.). Ela é fixada pelo governo (como é, aliás, a própria "meta de inflação"). Em segundo lugar, é preciso lembrar que a taxa de câmbio real é uma variável endógena, formada dentro e nas condições do sistema econômico. Ela não pode ser ditada pelo governo e muito menos pelo Banco Central. O desastre cambial de 1995-98 não deve, portanto, ser atribuído à "autonomia do Banco Central", mas a um lamentável erro de política econômica, sustentado pelo presidente FHC e por seu ministro da Fazenda.
Finalmente, um Banco Central com total autonomia para a fixação da taxa de juro nominal de curto prazo é necessário para obrigar a coordenação entre a política fiscal e a política monetária. É a recusa do Banco Central de financiar o governo que eleva a taxa de juro do mercado e os custos do endividamento público, obrigando o poder incumbente a manter-se em relativo equilíbrio fiscal. Essa autonomia encontra o seu limite na necessária prestação de contas do Banco Central às autoridades.
É a resistência ao Tesouro e ao setor privado que constrói a reputação do Banco Central como instrumento de controle da taxa de inflação.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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