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São Paulo, quarta-feira, 22 de janeiro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Quarenta anos da amizade franco-alemã

ALAIN ROUQUIÉ E UWE KAESTNER

Há quarenta anos, o general De Gaulle, presidente da República Francesa, e Konrad Adenauer, chanceler da República Federal da Alemanha, assinaram, em Paris, o Tratado de Cooperação Franco-Alemã, mais conhecido como "tratado do Eliseu".
Duas nações européias, "inimigas hereditárias" durante muito tempo e que acabavam de se enfrentar por três vezes nos séculos 19 e 20, colocavam, de forma exemplar, um fim à sua rivalidade. Algum tempo depois da iniciativa da construção européia -com a Comunidade Européia do Carvão e do Aço e os primeiros passos da Comunidade Econômica Européia-, os dois povos tomavam o mundo como testemunha de sua reconciliação, convictos de que um futuro comum valia mais do que futuros separados.
Os últimos quarenta anos demonstram tanto a pertinência quanto a profundidade do tratado. Certamente, nem todas as divergências entre os dois países desapareceram. Mas a experiência demonstra que as coisas estão melhorando e que a Europa avança mais dinamicamente quando Berlim e Paris se entendem. De modo bilateral (ou com nossos parceiros da União Européia), são numerosos os exemplos das realizações permitidas pelo funcionamento harmonioso dessa dupla constituída de parceiros iguais, que se respeitam mutuamente. Em conjunto, demos o impulso inicial à união financeira, à moeda única -o euro-, à criação de um espaço europeu de direito e de livre circulação (os acordos Schengen). Apoiamos ativa e firmemente o setor das indústrias estratégicas. Podemos citar sucessos europeus como o foguete Ariane, o consórcio Airbus ou o Eurocopter, nascidos de uma vontade política e industrial, que se tornaram empresas de ponta da tecnologia mundial. Em conjunto, desenvolvemos um canal binacional de televisão cultural, chamado Arte.
Os desacordos são a exceção, as convergências abundam, e nossos países sempre se encontram quando as circunstâncias exigem. Ainda muito recentemente, os dois ministros das Relações Exteriores, Joschka Fischer e Dominique de Villepin, fizeram propostas conjuntas fortes e ambiciosas a seus parceiros europeus nas áreas da Justiça e das questões internas, em matéria de política de segurança e de defesa. Nossos países trabalham para elaborar uma Constituição européia.


Uma Europa-potência está nascendo. Ela quer se afirmar como dona de seu próprio destino, como pólo de paz e estabilidade


Mas a parceria franco-alemã não é só um motor da construção da Europa. De fato, a substância histórica desse diálogo repousou, durante muito tempo, em duas vontades. Primeiro, na vontade de reconciliação entre os nossos povos. E, segundo, na vontade de preservar a paz no continente e de garantir o seu desenvolvimento por meio da reunião das nações em um todo organizado.
O desenrolar da história, nestes últimos anos, acelerou-se. Como a Europa, a relação franco-alemã entrou em uma nova era com a queda do Muro de Berlim, a reunificação alemã e o acesso à independência de novos países. A intensificação da construção européia depois dos tratados de Maastricht, Amsterdã e Nice, as perspectivas abertas pela Convenção sobre o Futuro da Europa e as futuras ampliações da União Européia destacam toda a importância desse entendimento privilegiado (sem que ele seja, no entanto, exclusivo) e impõem um novo olhar sobre o Velho Continente, desembaraçado de suas antigas divisões, em marcha rumo a um destino de agora em diante comum.
Nestes últimos meses, os dirigentes de nossos países reanimaram o entusiasmo desse empreendimento, dando-lhe um novo dinamismo. E, na realidade, além das respectivas fronteiras de nossos países, além da Europa, o entendimento franco-alemão evidenciou-se no cenário internacional. Conjuntamente, defendemos o multilateralismo e o fortalecimento das Nações Unidas, formulamos propostas comuns -visando proibir a clonagem reprodutiva de seres humanos-, compartilhamos a convicção da necessidade de preservar o ambiente e de "civilizar" a globalização, a fim de enquadrá-la em regras que garantam, entre outros, a preservação da diversidade cultural.
Os atentados de 11 de setembro e outros acontecimentos catastróficos que significam o advento de novas ameaças lembram que, em nosso mundo interdependente, são necessárias mais cooperação internacional e, sobretudo, "mais Europa". Uma Europa-potência está nascendo pouco a pouco. Ela quer se afirmar como dona de seu próprio destino, como pólo de paz e estabilidade em um mundo sacudido por numerosas crises. É nessa direção que a França e a Alemanha desejam se engajar ao lado de seus parceiros.
O tratado do Eliseu comemora hoje seus 40 anos. Ele nada perdeu de seu vigor e de seu simbolismo e continua vivo tanto no cotidiano quanto no campo estratégico. Ele determina ações e convicções dos dois povos e pode inspirar, ainda e sempre, outras partes do mundo.

Alain Rouquié, 63, é embaixador da França no Brasil; Uwe Kaestner, 63, é embaixador da Alemanha no Brasil.


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