São Paulo, quarta-feira, 22 de janeiro de 2003 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES Lula: os trunfos lá fora
CANDIDO MENDES
Bush propôs-se ao auxílio do programa Fome Zero e, com vistas à Alca, pediu realismo ao novo presidente. A linguagem no trato do superpoder começa por uma credencial de respeito ao país que, à margem do Primeiro Mundo, recebeu um mandato para buscar uma alternativa ao modelo econômico de coexistência traçado pela Casa Branca. Na campanha presidencial, no ano passado, Jospin acolheu Lula, saudando-o como a prova da viabilidade, no mais importante dos países periféricos ocidentais, da definitiva integração da União Européia à visão americana do mercado global. O petista assume em tempo madrasto, que só enfatiza para a vigência do novo caminho o rumo que começa com o juramento no Planalto. É todo um vendaval de direita que hoje assola as economias européias, só deixando na contramão a Suécia e a Alemanha, da liderança fragilizada de Schröder -que enfrenta a iminência da guerra no Iraque. Vêem-se agora, na França, a revisão da lei de 35 horas, base da guinada social-democrata, o esvaziamento acentuado do capital público e a retomada de legislações discriminatórias contra o trabalho estrangeiro no país. A ascensão de Lula, neste momento, impacta nos principais focos da enorme revisão socialista em processo, que não se imobiliza pelo transe da guerra iminente, e faz do advento do governo brasileiro muito mais do que um evento folclórico ou raro, até democrático, nos trópicos de todas as permissividades, das ditaduras ao sucesso exótico de um operário no poder. De qualquer forma, há um novo "atentismo" no inconsciente social do dito "outro lado", em que o exílio das esquerdas na Europa atenta à condição de saída desse estado de fato, neoliberal, capaz de se prorrogar indefinidamente pelo estado de guerra difuso, que a invasão consentida do Iraque poderá ampliar no Oriente Médio, alargando o cenário sem volta do conflito palestino. O novo governo brasileiro assenta-se devagar no cenário internacional, pondo à mesa a arma da tranquilidade financeira e econômica nas suas tratativas externas, mas, de logo, também, explorando os espaços minguantes para a validade de seu recado social-democrata. A evolução imediata das hegemonias em nosso hemisfério pode levar a conflitos, como o risco de derrubada do governo Chávez ou a eventualidade da cooperação americana com o governo Uribe na Colômbia, implicando a eventual intervenção armada no vespeiro do narcotráfico amazônico. Claro, não fugiremos ao fechamento das tenazes da Alca. Mas o caráter hoje nitidamente continental da liderança de Lula dá outro alento ao Mercosul no que se refere à revitalização regional do continente, num Brasil colado à Argentina. Reuniu-se, em Paris, espontaneamente, nas últimas semanas, um grupo de apoio ao novo presidente formado por algumas das maiores presenças do pensamento e da política européia de nossos dias, como Alain Touraine, Gianni Vattimo, Edgard Morin, Mario Soares, ou Federico Mayor. O mundo das intelligentsias sabe o que divisa e faz da expectativa de sucesso do PT algo que viva as verdadeiras dores do parto da diferença. Os anticlimaxes, as demoras, estão previstos na leitura, lá fora, desse caminho. Por aí mesmo, o realismo pedido por Bush ao Brasil passa pelos trunfos que Lula guarda na manga. Do símbolo já plantado ao sucesso sem pressa que esperam os que, lá fora, sabem que o país não trilhará a via ruidosa das esperanças mortas no ovo. Candido Mendes, 74, é presidente do senior board do Conselho Internacional de Ciências Sociais da Unesco e membro da Academia Brasileira de Letras e da Comissão de Justiça e Paz. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Alain Rouquié e Uwe Kaestner: Quarenta anos da amizade franco-alemã Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
|