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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Novo consenso alternativo
Algo de surpreendente ocorre, ao mesmo tempo, nas universidades do Primeiro Mundo e em
muitas das capitais dos principais países em desenvolvimento. Até agora
prevaleceu, entre os próprios opositores do Consenso de Washington, o
ideário neoliberal, a impressão de não
haver alternativa clara e abrangente. O
único caminho viável para os países
que quisessem resistir seria juntar pedaços da suposta ortodoxia com inovações inspiradas pelas circunstâncias
de cada nação. Numa luta desigual,
heresias locais enfrentariam ortodoxia universal. Pela primeira vez, impõe-se a convicção de que existe outro
rumo, sim, e que seus componentes
não se reduzem a amontoado de
adaptações locais.
O primeiro elemento desse caminho
diferente é a constatação de que há de
fato muito a ganhar com virada em direção à economia de mercado. Só que
não é o mercado como se entende no
neoliberalismo, a cópia das instituições econômicas estabelecidas nos
países ricos. É o mercado no sentido
amplo, o de descentralização do acesso às oportunidades e aos recursos da
produção. Cresce mais e melhor
quem dá mais vez à energia e à ambição de mais gente, sem impor privilégios ou planilha.
O segundo aspecto dessa estratégia é
ser audacioso na maneira de dar realidade ao mercado, inovando em instituições e em práticas. É preciso combinar ativismo governamental, destinado a contrabalançar as inibições resultantes do atraso, com radicalização
da concorrência: excitação do espírito
empreendedor tem de conviver com
mecanismo competitivo de seleção. É
preciso dar primazia aos interesses da
produção e do trabalho: enfoque em
qualificação do trabalhador, em desenvolvimento ou transferência de
tecnologia e em barateamento do custo do capital. É preciso garantir, por
políticas salariais, creditícias e tecnológicas, que os benefícios dos ganhos
de produtividade, alcançados em setores mais avançados da economia, se
difundam por toda a economia: base
para mercado de consumo em massa.
A terceira parte dessa trajetória é assegurar as condições para participar
ativamente da economia mundial em
termos compatíveis com essas orientações nacionais em vez de entender
passivamente globalização como rendição. Um requisito -defensivo- é
tratar com cautela os movimentos do
dinheiro, não hesitando em lançar
mão, quando conveniente, de controles seletivos e temporários. Outra exigência -afirmativa- é ampliar o leque de maneiras de canalizar poupança de longo prazo para investimento
de longo prazo. Nenhum país enriquece com o dinheiro dos outros se
não souber, antes, mobilizar seus próprios recursos.
Não descrevo minhas idéias; apenas
resumo o consenso alternativo que
emerge, mundo afora, em centros de
pensamento e em centros de poder.
Tudo muito distante ainda das preocupações cotidianas dos brasileiros.
Tudo a exigir desdobramento em propostas e políticas que enfrentem o que
há de singular em nossas realidades.
Tudo, porém, imensamente importante em país como o nosso, onde os
quadros dirigentes ou pensantes continuam a resistir a iniciativas que não
tenham sido antes abalizadas pela experiência ou pela doutrinação estrangeiras.
Que o hábito da cópia sirva agora à
causa da imaginação e da rebeldia.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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