São Paulo, terça-feira, 22 de fevereiro de 2005

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CARLOS HEITOR CONY

O papa e a novela das 8

RIO DE JANEIRO - Duas semanas atrás, com retumbante espaço na mídia, dom Paulo Evaristo Arns falou sobre a necessidade de João Paulo 2º renunciar ao papado. Apesar do estardalhaço que acompanhou suas declarações, parece que o papa não tomou conhecimento de seu apelo.
Em qualquer caso, só há dois tipos de renúncia: a de foro íntimo, na qual nenhum peru de fora deve se manifestar; e a da conspiração, que nada mais é do que a expressão de um golpe político -para o bem ou para o mal, não importa.
Como cardeal da Santa Madre, o atual arcebispo emérito de São Paulo deve saber que a igreja não é uma novela das 8, que, quando começa a ver baixarem os níveis de audiência, muda autor, trama, cenário, iluminação e marketing para reconquistar os pontinhos perdidos. A igreja não tem pressa nem está orientada para dar ibope.
Como cardeal, Sua Eminência sabe que a igreja de hoje tem uma cabeça formada e mantida pelo papa atual, suas condições de saúde em absoluto afetaram ou afetam as linhas que, certas ou erradas, ele imprimiu a seu pontificado. E que deverão prevalecer até o momento em que Deus, segundo o próprio João Paulo 2º, não o quiser mais aqui. Até lá, sobra para dom Paulo Evaristo e para outros apressados duas únicas opções: aguardar a vontade divina, que rege a igreja desde a sua fundação, ou abrir um cisma, considerando o atual Sumo Pontífice defasado e prejudicial ao povo de Deus.
Em princípio, nada há de mal em abrirem-se dissidências no seio de qualquer corporação. O próprio Cristo abriu um cisma no judaísmo da época, criando o que se chamou de cristianismo. Séculos depois, Lutero abriu outro cisma -certa ou errada, a Reforma tem um lugar garantido na história e gerou história.
Justamente por não ter tido pressa ao longo de seus 2.000 anos de existência, a igreja não se guia por conselhos via mídia. Tem organismos técnicos e, de tempos em tempos, concílios para correções de rumo. Dispensa palpites individuais.


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