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CARLOS HEITOR CONY
O papa e a novela das 8
RIO DE JANEIRO - Duas semanas atrás, com retumbante espaço na mídia, dom Paulo Evaristo Arns falou
sobre a necessidade de João Paulo 2º
renunciar ao papado. Apesar do estardalhaço que acompanhou suas
declarações, parece que o papa não
tomou conhecimento de seu apelo.
Em qualquer caso, só há dois tipos
de renúncia: a de foro íntimo, na
qual nenhum peru de fora deve se
manifestar; e a da conspiração, que
nada mais é do que a expressão de
um golpe político -para o bem ou
para o mal, não importa.
Como cardeal da Santa Madre, o
atual arcebispo emérito de São Paulo
deve saber que a igreja não é uma novela das 8, que, quando começa a ver
baixarem os níveis de audiência, muda autor, trama, cenário, iluminação
e marketing para reconquistar os
pontinhos perdidos. A igreja não tem
pressa nem está orientada para dar
ibope.
Como cardeal, Sua Eminência sabe
que a igreja de hoje tem uma cabeça
formada e mantida pelo papa atual,
suas condições de saúde em absoluto
afetaram ou afetam as linhas que,
certas ou erradas, ele imprimiu a seu
pontificado. E que deverão prevalecer até o momento em que Deus, segundo o próprio João Paulo 2º, não o
quiser mais aqui. Até lá, sobra para
dom Paulo Evaristo e para outros
apressados duas únicas opções:
aguardar a vontade divina, que rege
a igreja desde a sua fundação, ou
abrir um cisma, considerando o
atual Sumo Pontífice defasado e prejudicial ao povo de Deus.
Em princípio, nada há de mal em
abrirem-se dissidências no seio de
qualquer corporação. O próprio Cristo abriu um cisma no judaísmo da
época, criando o que se chamou de
cristianismo. Séculos depois, Lutero
abriu outro cisma -certa ou errada,
a Reforma tem um lugar garantido
na história e gerou história.
Justamente por não ter tido pressa
ao longo de seus 2.000 anos de existência, a igreja não se guia por conselhos via mídia. Tem organismos técnicos e, de tempos em tempos, concílios para correções de rumo. Dispensa
palpites individuais.
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