São Paulo, quinta-feira, 22 de março de 2001

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O papel dos fundos de pensão estatais

JORGE KONDER BORNHAUSEN


Os nossos fundos têm um grande papel a exercer na economia, mas devem adotar os rígidos padrões gerenciais internacionais
Nesta hora em que alguns dirigentes de fundos de pensão estatais anunciam os planos de profissionalização de suas estruturas, seria conveniente lembrar que, na prática, esses fundos continuam insistindo em filosofias e procedimentos desligados dos princípios que governam essa atividade nas principais economias do mundo.
Lá fora, os grandes fundos de pensão delegam a gestão de suas carteiras a instituições especializadas, cuja missão é a busca de resultados para os investidores. A eficácia é o grande parâmetro dessas instituições privadas, que definem seus caminhos levando em conta apenas a qualidade dos papéis, a segurança das empresas que eles representam e a certeza de que têm de buscar resultados.
No que diz respeito aos fundos de pensão privados, cresce no Brasil a busca de alinhamento com os princípios de gestão adotados internacionalmente. Nos nossos "pension funds" de origem estatal -a maioria deles ainda patrocinados por empresas do governo-, vemos os dirigentes disputando ferozmente poderes para interferir nas empresas em que investem. O noticiário demonstra que os "donos" dos fundos estatais pouco destaque dão à busca de resultados para os seus investimentos.
O que os motiva é a disputa pela indicação de diretores, conselheiros e presidentes das empresas onde aplicaram os recursos de seus fundos, desligados das preocupações gerenciais que deveriam ser dominantes. O importante parece ser transformar essas empresas em instrumentos de ação política e eleitoral.
Os avanços precisarão vir. Não vemos, no exterior, as estruturas dos "pension funds" nesse tipo de queda-de-braço. Nesse sentido, o exemplo americano é salutar. Veja-se, por exemplo, o que ocorre com o fundo Calpers, dos pensionistas da Califórnia e que é um dos maiores do mundo, com ativos de mais de US$ 160 bilhões. O Calpers age assessorado por organizações profissionais e, no que diz respeito a investimentos novos ou a participação em novos negócios, se utiliza dos serviços das chamadas empresas "gate keepers" -a elas cabe avaliar as ofertas, analisar as empresas e seus dirigentes e recomendar ao fundo o "go ahead".
As rotinas do Calpers se repetem em quase 100% dos fundos americanos e são determinantes na Europa.
As palavras mágicas, nesse tipo de clima, são bem simples: segurança, liquidez e retorno. Se esses itens estiverem assegurados, os fundos ficam nas empresas e as apóiam. Caso contrário, sairão tão rápido quanto puderem.
Os nossos fundos estatais têm dado demonstrações de incompetência na gestão de seus próprios recursos. Também são constantes as notícias de escândalos, de demandas absurdas e de erros grosseiros. Outro fato é que os balanços de boa parte desses fundos só não entram em parafuso graças às empresas estatais, que continuam realizando aportes em valores e percentuais bem acima das próprias regras estabelecidas.
Escrevo esse artigo ainda surpreso com as declarações desta semana do presidente da Previ, que se insurgiu contra a Secretaria de Previdência Complementar, cujas regras pretende descumprir. Ele afirmou que "quando a secretaria nos questionar, daremos as explicações cabíveis. Eles têm o poder de nos autuar, de aplicar uma multa. Mas teria de ter muita multa para que nós deixássemos de fazer as operações, por causa dos ganhos econômicos".
A Previ, que já sofre intervenção fiscal decretada pela secretaria, desafia a autoridade controladora que tem o poder, inclusive, de afastar de seus cargos os dirigentes da entidade. E o faz defendendo que qualquer falta pode ser cometida para produzir resultados econômicos.
O governo não pode permitir que esses desvios, de pensamento e de atuação, prossigam impunes. O então ministro Waldeck Ornélas disse, no início do ano, que o Ministério da Previdência iria "abrir a caixa-preta dos fundos", ao explicar as razões das intervenções decretadas para impedir os abusos. Disse também que iria haver "uma política rigorosa da Secretaria de Previdência Complementar em relação à transparência dos fundos de pensão".
O novo ministro da Previdência, Roberto Brandt, reafirmou, em seu discurso de posse, a disposição de dar continuidade aos trabalhos moralizadores que, como bem disse, constituem o cumprimento de uma diretriz do presidente da República. É o caminho. Serão importantes a determinação do governo, a colaboração do Congresso e a participação e compreensão da sociedade.
As lideranças partidárias já se movimentaram e vão defender, nas votações da Lei da Previdência Privada, uma emenda que deixe claros os limites de ação para as entidades de previdência com empresas patrocinadoras controladas, direta ou indiretamente, pela União, pelos Estados e pelos municípios. Essas fundações, com planos de benefício definidos como de responsabilidade dos referidos patrocinadores, não deverão exercer o controle ou participar de acordos que tenham como objeto a formação de grupos de controle nas sociedades anônimas em que estiverem investindo.
Os nossos fundos têm um grande papel a exercer na economia. Sua presença no cenário econômico deve ser marcada pela valorização do mercado de capitais e pelo estímulo a atividades produtivas, adotando os rígidos padrões internacionais. Não poderão, assim, avançar em projetos que possam resultar em "re-estatizações" indiretas, longe até da fiscalização dos Tribunais de Contas.
Para que os reais objetivos de aprimoramento e modernização dos fundos sejam atingidos, o Congresso, solidário com o governo e em linha com a sociedade, deverá fazer a sua parte.


Jorge Konder Bornhausen é senador (PFL-SC), presidente nacional do partido




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