São Paulo, quinta-feira, 22 de março de 2001

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Os riscos da dolarização

EDUARDO MATARAZZO SUPLICY


Nos EUA, há projetos de estímulo para a adoção do dólar; há o risco de o Brasil se ver cercado por economias dolarizadas
Dentre os documentos do Senado norte-americano que podem ser obtidos na Internet (www.senate.gov), está o "Guia do Cidadão para a Dolarização", produzido pelo Comitê de Bancos do Senado dos EUA. Segundo esse guia, os países que vierem a adotar o dólar como moeda poderão ter as vantagens de menor inflação, crescimento mais rápido, sistemas financeiros mais sólidos, maior disciplina orçamentária e taxas de juros mais baixas.
A dolarização, todavia, significa a perda de autonomia monetária e cambial. Dificulta enormemente a prática de uma política econômica que leve em conta os principais interesses nacionais. É, portanto, uma gravíssima perda de soberania para qualquer país.
O valor da moeda nacional passa a ser resultado das ações das autoridades monetárias norte-americanas, as quais consideram sobretudo os interesses dos EUA. Quem designa o presidente do Federal Reserve (Banco Central norte-americano) é o presidente dos EUA. O Congresso norte-americano é quem aprova a designação e é a ele que o presidente do órgão presta contas periodicamente. Ora, os estrangeiros não votam na escolha do presidente nem dos membros do Congresso dos EUA.
Em que pese o presidente Fernando Henrique Cardoso ter afirmado que a dolarização do Brasil é impensável, há alguns fatos que demandam alerta do Congresso brasileiro. O Panamá é um país dolarizado desde a sua criação, no inicio do século. O Equador resolveu dolarizar a sua economia há pouco mais de um ano. El Salvador seguiu o mesmo caminho, no início deste ano.
Na Argentina, que vive uma séria crise econômica e política, há vozes como a do ex-presidente Carlos Menem, derrotado nas últimas eleições presidenciais, que pregam a dolarização não apenas de seu país, mas do Mercosul e de toda a América Latina.
Simpósios sobre dolarização na América Latina vêm sendo realizados no Congresso norte-americano. Lá tramitam projetos de estímulo a que outros países venham a utilizar o dólar como moeda. É fácil compreender que, do ponto de vista das empresas dos EUA, haveria uma facilidade adicional para comercializar os seus produtos se houvesse uma moeda comum. Mas isso não seria necessariamente melhor para os demais países do mundo.
Cada país precisa cuidar de seu próprio regime monetário. Deve fazer isso de olho na estabilidade da moeda, no crescimento da economia, no pleno emprego, na equidade na distribuição da riqueza e da renda, no equilíbrio das contas externas e assim por diante.
Ainda que haja ausência de inflação, faz-se necessário que o governo providencie o crescimento estável da oferta de moeda a um ritmo compatível com o crescimento da economia. Quando o governo, por sua autoridade monetária, emite moeda, ele tem uma receita denominada de "seigniorage". É a diferença entre o valor de produtos que a quantidade de moeda pode comprar e o custo de imprimir a moeda. Quando o governo de um país abre mão de sua moeda, utilizando a de outro, ele também abre mão da respectiva receita de "seigniorage", passando-a para outro.
Diante das dificuldades crescentes de algumas economias, como a da Argentina, não é de todo impossível que, num futuro próximo, o Brasil se veja cercado por economias que usem o dólar como moeda. É da maior importância que o Brasil pense em como agir, em sintonia com os países da América Latina, para evitar uma evolução indesejável.
A Comissão de Assuntos Econômicos do Senado está promovendo o seminário "Dolarização Versus Pluralismo Monetário nas Américas: A Controvérsia Vista do Brasil", em colaboração com o Itamaraty e a USP. Esse seminário se realiza hoje, em Brasília, com palestrantes como o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, o deputado Delfim Netto (PPB-SP), os ex-presidentes do BC Paulo Pereira Lira e Affonso Celso Pastore, os professores Celso Martone (USP), Paulo Nogueira Batista Jr. (FGV-SP), Luiz Gonzaga Belluzzo (Unicamp) e Eduardo Giannetti da Fonseca (Ibmec-SP), o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães e o diretor do BC Daniel Gleizer.
Os conferencistas farão avaliações sobre os temas os prós e os contras da adoção do dólar por outros países do continente americano; sobre as vantagens e as desvantagens da flutuação cambial, do "currency board" e de outros regimes cambiais; sobre a possibilidade e a conveniência da adoção de uma moeda única para o Mercosul; e sobre os movimentos de capital e as crise financeiras no continente. Essas questões são fundamentais para o futuro do Brasil e de toda América Latina. Discuti-las de forma aprofundada é uma exigência de nosso sentimento de nacionalidade.


Eduardo Matarazzo Suplicy, 58, é senador (PT-SP), doutor em economia pela Universidade de Michigan (EUA) e professor de economia da Fundação Getúlio Vargas (SP)

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