São Paulo, sábado, 22 de março de 2008

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Respeito às fronteiras

Doutrina Bush deve ser rechaçada na América do Sul, mas países da região não podem tolerar ação das Farc em seu território

ENCERROU-SE sem avanço a reunião do Conselho de Ministros da Organização dos Estados Americanos, na terça-feira em Washington. O encontro repetiu o que já havia sido estabelecido em Santo Domingo, em 7 de março. Foram reafirmados o princípio da inviolabilidade da soberania, desrespeitado pela Colômbia ao atacar uma base das Farc em solo equatoriano, e o compromisso dos países de combater "ações de grupos irregulares ou organizações criminais".
Mas um pacto sobre formas práticas de fiscalizar a fronteira entre Colômbia e Equador ficou para a reunião da Assembléia Geral da OEA, em junho.
Os EUA, que atuaram com discrição no início da crise, começam a ousar mais. A secretária de Estado, Condoleezza Rice, em rápida passagem pelo Brasil, disse que "fronteiras são importantes, mas não podem se tornar meios pelos quais os terroristas se escondem e se envolvem em atividades de matar civis".
Esse raciocínio traz em si o risco de importar para a América do Sul, um subcontinente que vive em paz há muitas décadas, a lógica da guerra contra o terrorismo consolidada na Doutrina Bush, usada na tentativa de justificar a ação militar no Iraque. Afirmações como a de Rice não deixam dúvida de que Washington está disposto a emprestar apoio político a aliados, como a Colômbia, que porventura violarem a soberania de vizinhos a pretexto de combater grupos insurgentes.
Por todas as razões, a alternativa de ignorar fronteiras deve ser descartada no caso em análise. Apesar de eventualmente se infiltrarem em países vizinhos, o foco das operações das Farc é a Colômbia. Não atuam em escala internacional, como a Al Qaeda.
Nem os EUA no passado agiram como a Colômbia -que atacou as Farc no Equador sem ter empreendido, de antemão e nos foros adequados, uma ofensiva diplomática contra o governo de Quito. Em 1962, quando a União Soviética instalou mísseis em Cuba, o embaixador dos EUA na ONU, Adlai Stevenson, apresentou provas dessa ameaça antes de Washington tomar alguma medida. Mesmo em 2003, o secretário de Estado Colin Powell levou às Nações Unidas acusações contra o Iraque antes de ocorrer a invasão desse país.
Existe uma evidente aproximação entre lideranças das Farc e os governos de Rafael Correa e Hugo Chávez. Nesse último caso, há inclusive a tentativa, irresponsável, de justificar as violências cometidas pelas Farc -um autêntico cartel criminoso rejeitado pela imensa maioria da população colombiana- com base na suposta ideologia "bolivariana" da narcoguerrilha. Não se sabe, porém, se essa aproximação rendeu às Farc financiamento e refúgio, o que seria gravíssimo. Essa é uma questão ainda por esclarecer.
Apesar dos percalços, a OEA vem lidando bem com o litígio entre Quito e Bogotá. É importante que a soberania territorial prevaleça, sem concessões à potencialmente catastrófica ideologia do governo Bush. É importante, também, que os vizinhos da Colômbia reprimam quaisquer tentativas das Farc de adentrar suas fronteiras.


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