São Paulo, sábado, 22 de março de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A turbulência na economia norte-americana está conectada a uma crise sistêmica global?

SIM

A dupla crise financeira mundial

CHARLES TANG

DIARIAMENTE, as manchetes das principais mídias em todo o mundo focalizam a séria crise financeira do "subprime" americano e avaliam o impacto que ela poderá causar nas economias de cada país. Neste mundo globalizado e interconectado, quase sem fronteiras financeiras, problemas locais podem se tornar globais. A seriedade com que o Fed (o banco central dos EUA) tem enfrentado essa turbulência tem dado algum conforto temporário.
A colaboração do Banco Central Europeu, nos volumes praticados, demonstra uma preocupação coletiva com essa crise, cuja grandeza nem fora ainda dimensionada.
Na busca por capital adicional para fazer frente a seus prejuízos, os maiores bancos americanos têm assumido prejuízos de tal magnitude que está ocorrendo uma desnacionalização, já que somente conseguiram se socorrer com investidores estrangeiros.
Enquanto a atenção mundial está focalizada no "subprime", menos atenção está sendo dada a uma desorganização financeira de maior severidade, cujos fundamentos já existem e se aceleram com a crise "subprime".
Desde 1971, quando os EUA se retiraram do padrão ouro estabelecido desde Bretton Woods e criaram o "padrão dólar", a expansão do volume de dólar emitido ficou somente limitada pela confiança que o mundo deposita na economia americana.
Ainda é o dólar a moeda internacional, aquela em que todas as riquezas das nações do mundo estão depositadas e em que a quase totalidade do comércio mundial e das transações financeiras internacionais se fazem.
Porém, a debilidade atual da economia americana e a condução de sua política econômica, o consumo desenfreado, o baixo índice de poupança e o déficit externo gigantesco fazem com que o valor dessa moeda despenque. A queda causa perdas expressivas na maioria das nações, que ainda mantêm as reservas em dólar.
A China viu o yuan valorizado quase 14% nos últimos 14 meses. A perda para o país, com reservas de mais de US$ 1,5 trilhão, é monumental. A moeda brasileira, que mais se valorizou, embora com um volume menor de reservas, teve, proporcionalmente, um prejuízo ainda maior.
A Opep ora debate se continua aceitando o dólar como pagamento. O preço atual exagerado do petróleo embutiu um componente de ajuste pela perda do valor do dólar. Inúmeros países diversificam ou iniciam a diversificação de suas reservas.
O que mais chama a atenção e dá o alerta sobre essa crise em formação é que cidadãos do mundo que guardavam dólares sob seus colchões estão vendendo. Pela primeira vez na história pós-guerra, os americanos acham o mundo muito caro. O turismo mundial, principalmente na zona do euro valorizado, antes lotado de ianques, ora vê pouco desses cidadãos.
Estamos diante da possível desestruturação do sistema financeiro mundial, com o desacoplamento do dólar como moeda internacional e de reserva das nações.
O maior produto de exportação dos EUA tem sido um papel moeda impresso com qualquer valor desejado.
O mundo se inundou com esse produto em muito maior volume do que qualquer commodity ou bem de consumo. Atualmente, a dívida externa americana se aproxima de US$ 4 trilhões, cerca de 30% do seu PIB.
Enquanto o mundo confiava na solidez do "almighty dollar", os EUA podiam imprimir qualquer volume do papelzinho verde. O que acontecerá quando as nações começarem a se portar como os cidadãos e começarem a vender a moeda ora em queda livre? E como elas conseguirão se livrar do dólar em troca de outra reserva sem sofrer prejuízos maiores?
As medidas recém-tomadas pelo Brasil na tentativa de valorizar o dólar são inócuas enquanto nossos juros forem os mais elevados do mundo. O problema do câmbio no Brasil, além da atual situação da economia americana, é a manutenção dos juros brasileiros nos atuais patamares.


CHARLES TANG, membro do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial e membro fundador do Ipede (Instituto de Pesquisa e Estudos de Desenvolvimento Econômico), é presidente binacional da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China.

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