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TENDÊNCIAS/DEBATES
A turbulência na economia norte-americana está conectada a uma crise sistêmica global?
SIM
A dupla crise financeira mundial
CHARLES TANG
DIARIAMENTE, as manchetes
das principais mídias em todo
o mundo focalizam a séria crise financeira do "subprime" americano e avaliam o impacto que ela poderá
causar nas economias de cada país.
Neste mundo globalizado e interconectado, quase sem fronteiras financeiras, problemas locais podem se
tornar globais. A seriedade com que o
Fed (o banco central dos EUA) tem
enfrentado essa turbulência tem dado algum conforto temporário.
A colaboração do Banco Central
Europeu, nos volumes praticados, demonstra uma preocupação coletiva
com essa crise, cuja grandeza nem fora ainda dimensionada.
Na busca por capital adicional para
fazer frente a seus prejuízos, os maiores bancos americanos têm assumido
prejuízos de tal magnitude que está
ocorrendo uma desnacionalização, já
que somente conseguiram se socorrer com investidores estrangeiros.
Enquanto a atenção mundial está
focalizada no "subprime", menos
atenção está sendo dada a uma desorganização financeira de maior severidade, cujos fundamentos já existem e
se aceleram com a crise "subprime".
Desde 1971, quando os EUA se retiraram do padrão ouro estabelecido
desde Bretton Woods e criaram o "padrão dólar", a expansão do volume de
dólar emitido ficou somente limitada
pela confiança que o mundo deposita
na economia americana.
Ainda é o dólar a moeda internacional, aquela em que todas as riquezas
das nações do mundo estão depositadas e em que a quase totalidade do comércio mundial e das transações financeiras internacionais se fazem.
Porém, a debilidade atual da economia americana e a condução de sua
política econômica, o consumo desenfreado, o baixo índice de poupança e o déficit externo gigantesco fazem com que o valor dessa moeda
despenque. A queda causa perdas expressivas na maioria das nações, que
ainda mantêm as reservas em dólar.
A China viu o yuan valorizado quase 14% nos últimos 14 meses. A perda
para o país, com reservas de mais de
US$ 1,5 trilhão, é monumental. A
moeda brasileira, que mais se valorizou, embora com um volume menor
de reservas, teve, proporcionalmente,
um prejuízo ainda maior.
A Opep ora debate se continua aceitando o dólar como pagamento. O
preço atual exagerado do petróleo
embutiu um componente de ajuste
pela perda do valor do dólar. Inúmeros países diversificam ou iniciam a
diversificação de suas reservas.
O que mais chama a atenção e dá o
alerta sobre essa crise em formação é
que cidadãos do mundo que guardavam dólares sob seus colchões estão
vendendo. Pela primeira vez na história pós-guerra, os americanos acham
o mundo muito caro. O turismo mundial, principalmente na zona do euro
valorizado, antes lotado de ianques,
ora vê pouco desses cidadãos.
Estamos diante da possível desestruturação do sistema financeiro
mundial, com o desacoplamento do
dólar como moeda internacional e de
reserva das nações.
O maior produto de exportação dos
EUA tem sido um papel moeda impresso com qualquer valor desejado.
O mundo se inundou com esse produto em muito maior volume do que
qualquer commodity ou bem de consumo. Atualmente, a dívida externa
americana se aproxima de US$ 4 trilhões, cerca de 30% do seu PIB.
Enquanto o mundo confiava na solidez do "almighty dollar", os EUA podiam imprimir qualquer volume do
papelzinho verde. O que acontecerá
quando as nações começarem a se
portar como os cidadãos e começarem a vender a moeda ora em queda
livre? E como elas conseguirão se livrar do dólar em troca de outra reserva sem sofrer prejuízos maiores?
As medidas recém-tomadas pelo
Brasil na tentativa de valorizar o dólar são inócuas enquanto nossos juros
forem os mais elevados do mundo. O
problema do câmbio no Brasil, além
da atual situação da economia americana, é a manutenção dos juros brasileiros nos atuais patamares.
CHARLES TANG, membro do Instituto Fernand Braudel
de Economia Mundial e membro fundador do Ipede (Instituto de Pesquisa e Estudos de Desenvolvimento Econômico), é presidente binacional da Câmara de Comércio e
Indústria Brasil-China.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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