|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
A turbulência na economia norte-americana está conectada a uma crise sistêmica global?
NÃO
As aparências enganam
ROBERTO LUIS TROSTER
A COMPARAÇÃO entre o momento atual e o ocorrido em
1929, antecipando uma crise
sistêmica global, aflige cada vez mais.
Na ocasião, o PIB americano caiu pela
metade e demorou uma década para
voltar ao nível de antes da crise. A recessão dos EUA arrastou a economia
de outros países, incluindo a nossa.
Há paralelos entre as duas situações que assombram; entretanto, há
diferenças básicas que mostram que a
possibilidade de um colapso mundial
é remota.
Em outubro de 1929, vivia-se uma
fase de crescimento prolongado
acompanhada de euforia nos mercados financeiros e elevação no preço
das commodities, com efeitos positivos nos países produtores de matérias-primas. Subitamente, o clima da
Bolsa norte-americana mudou e os
preços das ações despencaram. Registrou-se uma destruição de riqueza financeira expressiva. A pressão inflacionária era positiva, então.
É uma descrição que pode aplicar-se "ipsis litteris" aos EUA de agosto de
2007, com dois agravantes. O primeiro é que a perda de riqueza financeira
inicial é significantemente maior:
atualmente, estão estimadas em US$
400 bilhões as perdas no mercado de
crédito hipotecário e quase o triplo na
desvalorização de imóveis, prejuízos
da ordem de um décimo do PIB. O segundo fator, piorando o quadro, é que
a integração dos mercados é maior
nos dias de hoje, facilitando a propagação de uma crise.
As semelhanças preocupam, mas as
diferenças mostram que é uma situação estruturalmente diferente. O primeiro motivo é a atuação diametralmente oposta do Fed.
Em 1929, o Fed elevou os juros e
adotou a política de que o mercado
deveria se ajustar sozinho. O resultado foi uma crise bancária sem precedentes. Os depósitos bancários de milhões de famílias e empresas norte-americanas evaporaram. Isso destruiu a capacidade de consumir e investir da economia americana e a
afundou na grande depressão da década de 1930.
Na atual turbulência, não se perdeu
sequer um centavo em depósitos bancários de famílias, os prejuízos são todos de grandes aplicadores espalhados pelo mundo e há liquidez abundante de petrodólares e reservas de
países emergentes para investir.
Ilustrando o ponto, até agora foram
injetados cerca de US$ 100 bilhões
em aportes de capital a bancos norte-americanos para amortecer as perdas. A atuação do Fed está sendo contundente para estancar os danos: baixou rapidamente os juros, injetou liquidez nos mercados, interferiu ativamente para evitar a quebra do Bear
Sterns e criou linhas de empréstimos
para que bancos comprem ativos de
instituições em dificuldades.
Outra distinção é a estrutura da
economia mundial. Na década de 20,
os EUA eram o carro-chefe da economia mundial. Por isso, a recessão
americana se propagou aos demais
países que dependiam de suas importações. Em 2008, embora continuem
importantes, perderam peso relativo
e há outros pólos de crescimento, como a Europa e os emergentes, notadamente a China. A solvência desses
países, incluindo o Brasil, é melhor.
Os sinais da economia americana
são dissonantes. Por um lado, os números no setor de construção civil e
de inflação preocupam, mas há pontos positivos, como a dinâmica de outros setores da economia, sua velocidade de ajuste e o fato de que as exportações americanas estão crescendo ao dobro da taxa de importações,
corrigindo, assim, o déficit externo.
É fato, a economia norte-americana apresenta problemas e se observarão mais ajustes, como a elevação dos
juros pelo Fed no futuro próximo.
Entretanto, a parte maior do estrago já está feita. Agora, deve-se dar
tempo ao tempo e esperar pela correção dos desequilíbrios e pela absorção
das perdas. A má notícia é que o nervosismo vai continuar.
As aparências enganam. Não se deve confundir preocupação com recessão. Como também não se deve achar
que o Brasil está totalmente imune.
Mas, tanto lá como aqui, a solução
está na aplicação de boa política
econômica.
ROBERTO LUIS TROSTER, 57, é doutor em economia pela
USP e sócio da Integral Trust. Foi economista-chefe da
Febraban (Federação Brasileira de Bancos), da ABBC e do
Banco Itamarati.
robertotroster@uol.com.br
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Charles Tang: A dupla crise financeira mundial Próximo Texto: Painel do Leitor Índice
|