São Paulo, domingo, 22 de março de 2009

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Sem medo do escuro

Depois de semana com denúncias, escândalos e vazamentos, acordo entre PMDB e PT busca no Senado a paz dos túmulos

EM TURNÊ pelo Brasil, a banda britânica Iron Maiden, expoente do rock pesado, encontrou nesta sexta-feira uma brecha na sua agenda de compromissos musicais. Seus integrantes tiveram a iniciativa, certamente inusitada, de fazer uma visita ao Congresso Nacional.
Responsável por sucessos como "O Número da Besta", "Medo do Escuro", e de uma canção para o filme "Hora do Pesadelo 4", a banda por pouco não cruzava com outro visitante ilustre. O ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares estivera nos gabinetes do Legislativo dois dias antes, pleiteando sua reabilitação política. Conta com a simpatia de alguns setores petistas. "O partido tem de ter tolerância", diz, por exemplo, o deputado Devanir Ribeiro (SP).
Ignorando este e outros fenômenos de sonambulismo e catalepsia política que assombram a política brasileira, os metaleiros elogiaram apenas a grandiosidade arquitetônica do Congresso. Valeria que tivessem visitado o subsolo do Senado, onde se encontram dependências não de todo estranhas ao imaginário de suas canções.
Os integrantes da banda, cujo nome faz referência a um instrumento de tortura medieval, teriam talvez interesse em conhecer a cela, com grades e portão, que ao preço de R$ 570 mil ia sendo preparada para abrigar os cidadãos que eventualmente cometam crimes nas dependências do Senado.
A cela, bastante diminuta, teve sua construção interrompida; cabe reavaliar, sem dúvida, a adequação do projeto às necessidades da Casa.
Se não houve tempo de conhecer os porões do Congresso, a visita dos músicos teve ao menos o condão de selar simbolicamente, com acordes consonantes, uma semana legislativa marcada pelo desconcerto, pela estridência e, vá lá o termo, por um ritmo da mais frenética pauleira.
Ao que tudo indica, PMDB e PT afinaram provisoriamente os seus instrumentos, depois de reunião de que participaram o ministro das Relações Institucionais, José Múcio, e alguns senadores de alto coturno.
Os dois principais partidos da base governista estavam envolvidos numa "guerra fratricida", segundo declarou Tião Viana (AC), líder do PT no Senado.
Acertavam-se ainda as contas remanescentes da vitória de José Sarney (PMDB-AP) à presidência da Casa. Feita a reunião, o clima é outro. "Chega de falar do filho de um e do filho do outro", resumiu o senador Gim Argello (PTB-DF), referindo-se a denúncias contra a família Viana e a família Sarney. "Ninguém mais vaza nada, estamos fechando a pauta para começar a trabalhar", pontificou Argello.
Com uma quantidade ainda incerta de diretores a serem demitidos, com vagas promessas de reforma administrativa e com algumas redistribuições de cargos entre PMDB e PT, fecham-se então pautas e bocas no Senado; uma paz tumular se estabelece. Quebra-a, apenas, o som de uma canção de rock. Não têm "medo do escuro", com efeito, os membros do Senado Federal.


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