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Sem medo do escuro
Depois de semana com denúncias, escândalos e vazamentos, acordo entre PMDB e PT busca no Senado a paz dos túmulos
EM TURNÊ pelo Brasil, a
banda britânica Iron
Maiden, expoente do
rock pesado, encontrou
nesta sexta-feira uma brecha na
sua agenda de compromissos
musicais. Seus integrantes tiveram a iniciativa, certamente inusitada, de fazer uma visita ao
Congresso Nacional.
Responsável por sucessos como "O Número da Besta", "Medo
do Escuro", e de uma canção para o filme "Hora do Pesadelo 4", a
banda por pouco não cruzava
com outro visitante ilustre. O ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares
estivera nos gabinetes do Legislativo dois dias antes, pleiteando
sua reabilitação política. Conta
com a simpatia de alguns setores
petistas. "O partido tem de ter
tolerância", diz, por exemplo, o
deputado Devanir Ribeiro (SP).
Ignorando este e outros fenômenos de sonambulismo e catalepsia política que assombram a
política brasileira, os metaleiros
elogiaram apenas a grandiosidade arquitetônica do Congresso.
Valeria que tivessem visitado o
subsolo do Senado, onde se encontram dependências não de
todo estranhas ao imaginário de
suas canções.
Os integrantes da banda, cujo
nome faz referência a um instrumento de tortura medieval, teriam talvez interesse em conhecer a cela, com grades e portão,
que ao preço de R$ 570 mil ia
sendo preparada para abrigar
os cidadãos que eventualmente
cometam crimes nas dependências do Senado.
A cela, bastante diminuta, teve
sua construção interrompida;
cabe reavaliar, sem dúvida, a
adequação do projeto às necessidades da Casa.
Se não houve tempo de conhecer os porões do Congresso, a visita dos músicos teve ao menos o
condão de selar simbolicamente,
com acordes consonantes, uma
semana legislativa marcada pelo
desconcerto, pela estridência e,
vá lá o termo, por um ritmo da
mais frenética pauleira.
Ao que tudo indica, PMDB e
PT afinaram provisoriamente os
seus instrumentos, depois de
reunião de que participaram o
ministro das Relações Institucionais, José Múcio, e alguns senadores de alto coturno.
Os dois principais partidos da
base governista estavam envolvidos numa "guerra fratricida", segundo declarou Tião Viana (AC),
líder do PT no Senado.
Acertavam-se ainda as contas
remanescentes da vitória de José
Sarney (PMDB-AP) à presidência da Casa. Feita a reunião, o clima é outro. "Chega de falar do filho de um e do filho do outro", resumiu o senador Gim Argello
(PTB-DF), referindo-se a denúncias contra a família Viana e a família Sarney. "Ninguém mais vaza nada, estamos fechando a
pauta para começar a trabalhar",
pontificou Argello.
Com uma quantidade ainda incerta de diretores a serem demitidos, com vagas promessas de
reforma administrativa e com algumas redistribuições de cargos
entre PMDB e PT, fecham-se então pautas e bocas no Senado;
uma paz tumular se estabelece.
Quebra-a, apenas, o som de uma
canção de rock. Não têm "medo
do escuro", com efeito, os membros do Senado Federal.
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