São Paulo, Segunda-feira, 22 de Março de 1999
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Dolarizar é a solução?


Vamos terminar nosso dever de casa; então, com credibilidade, poderemos ver o caminho que melhor nos convém


ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA
O tema da dolarização tem estado presente em vários fóruns internacionais. O assunto ganhou força após a desvalorização do real. Preocupado com as possíveis consequências, o presidente Menem partiu decididamente para comprovar a força de sua moeda. Operando no sistema de conversibilidade, mostrou-se interessado em considerar o uso do dólar na Argentina. Confirmou, assim, que o peso não teria uma desvalorização competitiva.
Após alguma frieza inicial, constatou-se que há defensores da idéia dentro e fora de Washington. A fraqueza de algumas moedas da região tem levado economistas a pensar seriamente sobre o assunto. Eles argumentam que a vulnerabilidade das economias emergentes tornou extremamente volátil o relacionamento de suas moedas no mercado de câmbio, o que não permite condições razoáveis de previsibilidade.
Para defender a moeda, alguns países são obrigados a fixar juros muito acima dos de países desenvolvidos. Isso torna a concorrência extremamente difícil para as empresas que lá operam; elas acabam por ter um custo de capital proibitivo. Caso o dólar fosse a moeda corrente, os juros diminuiriam sensivelmente, o que tornaria a economia e as empresas mais competitivas.
A economia brasileira é a menos dolarizada de toda América Latina. Viajando com frequência pela região, pude perceber que o dólar circula livremente por todos os países. É comum os preços estarem afixados na moeda local e em dólares -em alguns estabelecimentos, aliás, eles vêm apenas em dólares.
A dolarização traria benefícios evidentes à integração hemisférica, pois diminuiria os custos de transação. À medida que viesse a ser adotada, tenderia a despolitizar a questão monetária. Esta seria discutida em outro nível, já que as autoridades monetárias locais passariam a ter uma atuação passiva. Aqui cabe lembrar que, nos momentos de crise, elas ficariam sem instrumentos para socorrer os bancos.
Os países mais próximos dos EUA, cujas transações são quase todas em dólar, seriam os primeiros candidatos a considerar a mudança, como fez o Panamá. Portanto América Central e México parecem os maiores interessados -o último, pelos vínculos já existentes com o Nafta e pela alta concentração do seu comércio exterior com os EUA.
Outra variável importante, ainda não levantada, é a questão política, dos dois lados. Como os respectivos Congressos reagiriam? E a soberania? Em pronunciamento recente, o secretário-adjunto do Tesouro dos EUA, Lawrence Summers, indicou que os norte-americanos não mudarão a orientação de sua política monetária para acomodar a decisão de outros países de adotar o dólar como moeda. Esses países também não teriam nenhuma representação no conselho do Federal Reserve.
De nosso lado, como avaliar a troca de mais estabilidade e credibilidade pela perda de flexibilidade? Podemos verificar hoje tendências protecionistas se acentuando, motivadas pelo crescente déficit dos EUA com o resto do mundo (principalmente com a Ásia). Se até agora não foi possível obter a autorização do Congresso para que o Executivo discuta a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), que parece cada dia mais distante, como os EUA reagiriam à proposta de ver sua moeda adotada por outros países da região?
Enquanto essas discussões se intensificam, os efeitos da globalização se fazem sentir com grande intensidade nos mercados financeiros e de capitais. A alta volatilidade dos capitais, que tanto nos tem afetado, é emblemática dessa situação. Os países emergentes ficam obrigados a atender pré-requisitos rigorosos na administração de suas contas; caso contrário, os analistas de Wall Street e as agências de "rating" os desqualificam. Não há mais espaço nem tempo para muita argumentação. Os referenciais passam a independer do sistema, dos estágios e das dificuldades de cada um. Como já vimos, no caso brasileiro, a credibilidade pode rapidamente desaparecer, não deixando muita margem para negociações.
Qualquer que seja o encaminhamento das discussões nos próximos meses (ou será um modismo?), a dura realidade é que não há soluções mágicas. Efetivamente, teremos de fazer o ajuste fiscal e continuar trabalhando para cumprir o prometido. Antes de gastar muito tempo e energia em temas como dolarização, vamos nos concentrar nas reformas tributária e política e na complementação da Previdência, para citar alguns dos pontos mais importantes.
Algumas previsões indicam uma redução do número de moedas em circulação neste mundo globalizado nos próximos cinco a dez anos. Vamos terminar nosso dever de casa; então, com a credibilidade restituída, poderemos ver o caminho que melhor nos convém.


Roberto Teixeira da Costa, 64, economista, é presidente do do Ceal (Conselho de Empresários da América Latina) e vice-presidente do conselho de administração do Banco Sul América. Foi o primeiro presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários).




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