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OTAVIO FRIAS FILHO
Senhores da guerra
Robert McNamara foi o secretário da Defesa dos Estados Unidos nos governos Kennedy e Johnson
(entre 1961 e 1968). Exercia o cargo hoje ocupado por Donald Rumsfeld no
episódio mais dramático da Guerra
Fria, quando os americanos constataram, em outubro de 1962, que os soviéticos haviam instalado mísseis nucleares em Cuba. Foi o momento em
que o mundo esteve mais próximo de
uma guerra atômica.
Depois de um duelo de nervos entre
Kennedy e Kruschev, os russos cederam e removeram os mísseis. McNamara continuou no posto após o assassinato de Kennedy, em 1963. Foi
durante o governo Johnson que o envolvimento americano na Guerra do
Vietnã (que opunha o norte, comunista, ao sul, pró-americano) se acentuou, na tentativa vã de vencer uma
guerra fadada a ser a única que os Estados Unidos perderam até hoje.
Num documentário agora em exibição ("Sob a Névoa da Guerra", direção
de Errol Morris, 2003), McNamara,
aos 85, fala com franqueza quase desconcertante sobre sua experiência à
frente da maior máquina de guerra da
História. Treinado em universidades
de elite, recrutado por Kennedy na
presidência da Ford, que ele havia recém-assumido depois de uma carreira
fulminante, McNamara era um brilhante tecnocrata com posições intermediárias entre "pombas" e "falcões".
Como é freqüente em documentários, o filme transmite uma imagem
simpática do protagonista. Afastado
há tanto tempo do poder, é quase com
gosto que McNamara afirma, por
exemplo, ter sido "desproporcional" o
ataque nuclear contra o Japão, que liqüidou a guerra em 1945, ou que a escalada promovida por Johnson e por
ele próprio no Vietnã foi produto de
erros de informação sobre as intenções e forças efetivas do inimigo.
Dois aspectos ressaltam do longo
depoimento. O primeiro é o testemunho desse racionalista convicto de que
a guerra tem um componente irracional que se sobrepõe aos demais: erros
de avaliação, reações paranóicas, lances de acaso, crimes contra populações civis. O segundo é a confissão de
que mesmo esse senhor esclarecido e
ameno fez parte de um mecanismo
impessoal que funciona de acordo
com uma lógica própria, alheia a considerações de natureza humanitária.
No filme, McNamara dá um elenco
de conselhos que poderiam ser resumidos, talvez, a tentar se colocar no
ponto de vista do inimigo. O personagem é fruto de um período em que Estados Unidos e União Soviética se
"educaram" reciprocamente nas artes
da negociação implícita sob ultimatos
paralisantes, quando o poder de cada
lado limitava a arrogância do outro e o
objetivo viável ainda era mais conter
do que erradicar o adversário.
O contraste entre as personalidades
de McNamara e de Rumsfeld reflete o
contraste entre aquela situação e a
atual. Não existe mais um contrapoder organizado e estável capaz de assegurar alguma racionalidade em meio
à desrazão do conflito entre as potências. Esse contrapoder é hoje fragmentário, errático, sorrateiro e declaradamente irracional. Talvez seja mais difícil confrontá-lo e ainda mais difícil fazê-lo por meio de políticas moralmente defensáveis.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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