São Paulo, quarta-feira, 22 de maio de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

A Copa e a vacina

RIO DE JANEIRO - Vi a foto de Ronaldo, manga da camisa suspensa, sendo vacinado para poder disputar a Copa no outro lado do mundo. Nada de mais um cara ser vacinado contra isso ou aquilo. Eu próprio fui vacinado diversas vezes. Só não consegui que me vacinassem contra a burrice, a intolerância e outros males crônicos ou endêmicos que ameaçam a nossa espécie.
Em 1998, não precisei ser vacinado contra nada para ir à França participar da cobertura da Copa. Neste ano, almoçava com o Arthur Xexéo quando, de repente, ele se levantou e declarou que precisava ir a um posto de saúde para ser vacinado, tal como Ronaldo. Os orientais, que patrocinam a Copa, temem alguma coisa parecida com a doença da vaca louca e obrigam os forasteiros a apresentar o atestado de que estão sadios e de que não causarão estragos na Coréia do Sul e no Japão.
Lembro a ida de uma comitiva de escritores à China. Mal o avião pousou em Pequim, um oficial entrou a bordo e pediu o atestado contra a febre amarela a todos os ocidentais que chegavam. Dinah Silveira de Queiroz perdera o atestado, que deveria estar anexado ao passaporte.
Abriu a bolsa e procurou, procurou, até que encontrou um talão da loteria esportiva. Passou-o ao oficial, que o examinou atentamente, revirou-o de todos os lados, até que o colocou de cabeça para baixo e aí então entendeu tudo.
Sorriu para Dinah, pediu desculpa pela desconfiança inicial e carimbou o passaporte dela, dando-a como inofensiva aos concidadãos de Mao Tse-tung, que era então o guia genial dos povos de plantão.
Tivemos uma revolução, aqui no Rio, contra a lei da vacina obrigatória. Oswaldo Cruz foi considerado um criminoso, um genocida que invadia a privacidade humana com suas agulhas saneadoras. Não chego a tanto, mas sinto um bruto alívio quando não me obrigam a nada, nem mesmo a ser mais sadio.


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