São Paulo, quarta-feira, 22 de maio de 2002

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ANTONIO DELFIM NETTO

Banco Central dependente

O Banco Central tem sérios problemas para atingir a taxa de inflação "desejada" (5,5%), que é o limite superior da "meta" estabelecida originalmente (3,5%, ou dentro dos limites 1,5% e 5,5%). Isso se deve em boa parte aos aumentos dos preços "administrados", que deverão ultrapassar a marca dos 7%. Terminamos o primeiro quadrimestre do ano com uma taxa de crescimento anual do IPCA da ordem de 8%. Como a média de crescimento mensal do índice nos últimos oito meses de 2001 foi da ordem de 0,68%, para atingir 5,5% em dezembro, seria preciso uma redução de 2,5% -ou 0,31%, em média, por mês.
Com esses números, a média de aumento mensal do IPCA nos próximos oito meses terá de ser da ordem de 0,37% (0,68% menos 0,31%), o que não é tarefa simples. Desde o fim do ano 2000, a taxa de crescimento de 12 meses do IPCA tem revelado um aumento monotônico (com pequenas flutuações) a partir de 6%. Os efeitos das manipulações dos juros foram amplamente superados pelas consequências da barbeiragem energética e da flutuação do dólar. Isso tem elevado consistentemente a taxa de inflação anual, mesmo com o baixo crescimento, com o aumento do desemprego e com a redução do salário real. A inflação passou de 6% em dezembro de 2000 para 8% em abril de 2002 e, desde meados de 2001, encontra-se acima do limite superior da meta.
No entanto têm mais interesse do que esses números algumas manifestações de economistas que parecem esquecidos de qual é o papel do Banco Central. Sua argumentação sugere que consideram a "taxa real de juro" como uma constante da natureza, independente da conjuntura. O que sabemos (e parece bem comprovado empiricamente) é que a política monetária é neutra no longo prazo, isto é, é incapaz de acelerar o crescimento econômico. Ela pode ter algum efeito cosmético de curto prazo, que, em geral, se paga com maior inflação no futuro. Por outro lado, sabemos (com comprovação empírica menor) que a taxa de juro real de equilíbrio depende dos choques tecnológicos que produzem rápido crescimento e aumento da taxa de retorno do capital. Em outras palavras, a taxa de juro real de equilíbrio (que é igual à taxa de retorno do capital produtivo) varia de acordo com o estado da atividade econômica: aumenta quando o crescimento é rápido e diminui quando ele cai.
Se a política monetária é neutra, qual deve ser o comportamento do Banco Central ao fixar a sua taxa de juros? Estabelecê-la de forma a manter uma situação adequada de liquidez na economia -nem inflacionária, nem deflacionária- de forma que os mecanismos que estimulam os investimentos e o emprego possam cumprir o seu papel, gerando o crescimento. Não será o eventual estímulo vindo de uma taxa de juro real inferior à taxa de retorno da economia que garantirá o desenvolvimento econômico com equilíbrio interno ou externo. O problema do Banco Central no Brasil é que ele não tem liberdade para fixar a taxa de juro real de equilíbrio, porque ele é dependente da imensa dívida interna e do enorme passivo externo construídos nos últimos oito anos.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br



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