São Paulo, quarta-feira, 22 de maio de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A Lei das Queimadas

JOSÉ GOLDEMBERG

Maior produtor de cana-de-açúcar do país, o Estado de São Paulo está na liderança de atividade que gera 370 mil empregos (mais de 45% do trabalho disponível na área rural) e responde por 32% da renda agrícola de nosso setor agroindustrial. O álcool produzido tem uma importante participação na substituição da gasolina e seu uso melhorou as condições do ar das grandes cidades do Estado.
Entretanto a poluição resultante da queima da cana para facilitar sua colheita é um dos mais sérios problemas ambientais que o Estado enfrenta nesta época do ano, em uma vastidão canavieira quase do tamanho da Bélgica.
Sucede que a colheita de 180 milhões de toneladas de cana, feita da forma tradicional, inclui a queima prévia da palha que a envolve, para facilitar seu corte manual. Ao ser queimada essa palha, são liberados 30 kg de monóxido de carbono por tonelada e 3 kg de particulados (o chamado "carvãozinho") por tonelada, que é a poluição visível.
A colheita tradicional está sendo substituída gradativamente, em todo o mundo, pela colheita mecanizada de cana crua -o que também ocorre no Brasil, mas não na velocidade desejada.
No ano 2000, a Assembléia Legislativa aprovou uma lei que definiu procedimentos, proibições, regras de execução e medidas de precaução a serem obedecidas quando do emprego do fogo em práticas agrícolas, pastoris e florestais (lei n.º 10.547, de 2/5). Ela é conhecida pelo nome de "Lei das Queimadas".
Esta lei tem uma história bizarra: foi considerada muito permissiva pelo governador Mário Covas, uma vez que não estabelecia um cronograma claro para a eliminação das queimadas nem sanções claras para os que não as cumprissem. Por essa razão o governador a vetou; mas a Assembléia derrubou o veto e ela, portanto, está em vigor.
O governador Covas regulamentou essa lei através do decreto n.º 45.869, de 22/6/01, cuja principal disposição é a seguinte: "A partir do ano 2001 não se efetuará a queima da palha da cana-de-açúcar em percentual correspondente a 25% das áreas mecanizáveis e 13,35% das áreas não-mecanizáveis".
Este dispositivo, entre outros, foi considerado difícil de cumprir pelos produtores de cana. Por essa razão, tramita na Assembléia Legislativa um projeto de lei que teria condições de ser cumprido, ao mesmo tempo em que atenderia às exigências dos órgãos ambientais.


A poluição resultante da queima da cana para facilitar sua colheita é um dos mais sérios problemas ambientais do Estado


Tal projeto de lei estabelece um claro cronograma para eliminação gradativa da queima e é extremamente generoso, dando amplo tempo aos usineiros para mudarem a forma de plantar cana e se adequarem a ele. Prevê ainda que o Poder Executivo, com a participação e colaboração dos municípios onde estão as agroindústrias canavieiras e dos sindicatos rurais, criará programas visando à requalificação profissional dos trabalhadores, desenvolvidos de forma conjunta com os respectivos sindicatos das categorias envolvidas -além disso, permitirá o aproveitamento energético da queima da palha da cana-de-açúcar, de modo a possibilitar a venda do excedente de eletricidade gerado .
Considerando-se a existência de até 25 toneladas de palha por hectare, haverá um acréscimo de 65 milhões de toneladas de biomassa às usinas termoelétricas, que serão capazes de transformar em eletricidade o que hoje é convertido em indesejável poluição atmosférica.
Há ainda dispositivos na lei que prevêem revisão das metas, levando em conta avanços tecnológicos, mas sempre sem prejuízo da eliminação da queima de palha de cana.
Tudo isso parece consensual , mas o projeto prevê ainda, em suas disposições transitórias, que os plantadores de cana-de-açúcar que não atingirem o percentual estabelecido no primeiro ano (2002), de 20% na área mecanizável, deverão apresentar plano de adequação à Secretaria do Meio Ambiente, no prazo de 90 dias da data de publicação da lei, para elaboração do Termo de Ajustamento de Conduta, de forma a atender às metas estabelecidas, gradativamente, até o ano de 2006.
Este dispositivo é essencial para assegurar ao poder público meios de fiscalizar a execução da lei em defesa do interesse público.
Afinal, é um absurdo fazer inúmeras exigências ambientais às indústrias do Estado, tentar melhorar a disposição de lixo e resíduos tóxicos, multar os caminhões que emitem fumaça e inspecionar os automóveis para que estes emitam menos poluentes e, simultânea e paradoxalmente, permitir a queima descontrolada da cana-de-açúcar, que em certas épocas do ano inferniza a população de parte do Estado. Essa é a razão pela qual uma nova lei das "queimadas" é necessária.


José Goldemberg, 73, professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, primeiro ocupante da cátedra Joaquim Nabuco na Universidade de Stanford (EUA), é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Foi reitor da USP (1986-89), secretário da Ciência e Tecnologia e ministro da Educação (governo Collor).



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