São Paulo, quarta-feira, 22 de maio de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

"Res publica" ou "cosa nostra"?

RICARDO MONTORO

A resposta do professor Fernando Haddad ao meu artigo intitulado "O PT e a síndrome de Sassá Mutema" ("Ainda o PSDB", pág. A3, 14/5) é a completa tradução do modo de ser petista: miopia no reconhecimento da transformação da sociedade brasileira e incoerência entre o discurso e a prática.
Acusa o ilustrado professor de ser o governo do PSDB a síntese do atraso. Intuo que a resposta tenha sido redigida antes da divulgação dos dados do Censo 2000. Como não acredito na sua má-fé, só mesmo o desconhecimento dessas estatísticas explica a maneira rude com que a verdade foi atacada.
O Brasil mudou muito nos últimos anos. Os principais indicadores sociais melhoraram. O número de crianças nas escolas cresceu, a mortalidade infantil baixou, há menos analfabetos, o consumo cresceu e os idosos vivem mais. Pode um governo ser a "moderna tradução do atraso", tendo alcançado índices que apontam que 95% de suas crianças estão na escola, que a mortalidade infantil caiu 38% e que o acesso a bens e serviços cresceu exponencialmente?
Até por respeito à coerência, qualidade prezada pelo professor na academia, mas resignada na política, o que se poderia esperar era o reconhecimento dos avanços e a expectativa do pronto enfrentamento de outras duras batalhas, como a distribuição de renda, o crescimento econômico e a criação de postos de trabalho.
O Brasil segue adiante, apesar da sabotagem oposicionista e das inúmeras crises internacionais. Os avanços só foram possíveis devido à profunda reforma implementada no aparato estatal e ao amadurecimento de nossas instituições democráticas. A estabilização da moeda e o ajuste fiscal propiciaram as condições necessárias para o investimento maciço em saúde e educação.
Diferentemente do que se procura afirmar, a reforma do Estado é responsável direta pelo declínio das práticas patrimonialistas e da explícita perda de espaço das oligarquias regionais na política nacional.
E o PT, o que tem feito? Para começar, reavivemos nossas memórias.
O Partido dos Trabalhadores não assinou a Constituição de 1988, votou contra o parlamentarismo, evidenciando posição oportunista orientada na expectativa frustrada de eleger o presidente, e foi contrário ao Plano Real, julgando-o eleitoreiro. Ajudou a derrubar Collor, mas em seguida migrou de maneira irresponsável para um oposicionismo encastelado.
Durante os oito anos do governo FHC, entoou o coro do quanto pior, melhor. Agora, ressurge messianicamente, com um candidato que manifesta flagrante despreparo na formação e na formulação de atabalhoadas propostas, numa demagogia escrachada, defendendo que o Brasil não deve exportar produtos agrícolas enquanto não resolver a miséria e que a tabela do Imposto de Renda deve variar em até 50%.
O professor Haddad parece não ter gostado do exemplo inspirado na excelente teledramaturgia brasileira para a definição do messianismo petista. Achou o exemplo pouco ilustrado. Fiquemos, então, com a imagem da literatura, com Policarpo Quaresma, ou, talvez, inspirado no velho mundo iluminado, com a figura pueril, extravagante e fora de lugar de Dom Quixote. Pois é exatamente esse o perfil do candidato errante, investido de uma armadura marqueteira, que não percebe a chegada de novos tempos e fica preso ao combate a moinhos de vento.


O Brasil segue adiante, apesar da sabotagem oposicionista e das inúmeras crises internacionais


E o PT no governo, o que tem demonstrado? A extrema falta de aptidão para a gestão da coisa pública, fato medido na última pesquisa do Datafolha, que atesta a impopularidade do matiz petista nas piores administrações estaduais e municipais do país.
No Legislativo municipal, revela uma aliança macabra com o malufismo. O PSDB propôs a instalação de uma CPI para apurar as obras faraônicas de Pitta e Maluf, mas enfrenta cotidianamente o boicote do PT. Fato que se repete na apreciação das contas de Maluf de 1995, com suspeita de desvio de R$ 176 milhões dos recursos da educação.
Aliás, o tema da educação é o grande calcanhar-de-aquiles das administrações petistas e malufistas. Por maiores que sejam os malabarismos e a pirotecnia recomendados pelo alcaide oculto, financiadas com o tesouro público nos excessivos gastos com publicidade, o bom senso aponta a real diminuição dos recursos destinados à manutenção e ao desenvolvimento do ensino na gestão Marta Suplicy. O custeio de projetos sociais, que antes tinham fonte própria de recursos, agora oneram o Orçamento da educação. Assim, gasta-se efetivamente 26%, e não 31%, como demagogicamente se apregoa.
Para finalizar, trago novamente à reflexão a questão do patrimonialismo. Recomendo ao professor a releitura atenta de Sérgio Buarque de Holanda, expoente das ciências sociais brasileiras, intelectual brilhante de estreita ligação com o PT. Em certa passagem de "Raízes do Brasil", Sérgio Buarque recorda Max Weber e vê, na atitude patrimonialista de algumas elites que se locupletam privadamente de um espaço que deve ser público, impessoal e objetivo, a exploração do aspecto cordial de nossa personalidade.
Ora, devia o PT se mirar nessa definição de patrimonialismo e revogar as suas práticas de apropriação da coisa pública. Se assim o fosse, o aparelhamento do Executivo paulistano com militantes não seria permitido, tal qual no episódio da criação dos quase mil cargos de confiança, sem concurso público, no início do ano passado.
Por ironia, o texto do professor nos leva à inequívoca conclusão: o maior dos oximoros reside na Prefeitura de São Paulo, na república do PT, que confunde coisa pública com cosa nostra.


Ricardo Montoro, 53, economista, vereador pelo PSDB de São Paulo, é líder do partido na Câmara Municipal.



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