São Paulo, sábado, 22 de junho de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Deve-se incentivar a clonagem terapêutica?

NÃO

Os fins não justificam os meios

ESTEVÃO BETTENCOURT

Ao falar de clonagem, deve-se distinguir a clonagem reprodutiva da terapêutica.
A clonagem reprodutiva já esteve mais em voga. O bom senso pondera os inconvenientes: daria origem a uma nova forma de escravidão, pois produziria um ser humano sem pai e mãe convencionais, muito necessários ao desenvolvimento psicológico da criança; um ser humano dependente de um par mais velho e sujeito a doenças e envelhecimento precoce.
Embora o dr. Severino Antinori proclame o êxito de experiências um tanto clandestinas, há quem duvide da realidade desse sucesso.
Muito mais atraente é a perspectiva de se produzirem embriões dos quais serão extraídas células-tronco para transplante em pacientes de doenças incuráveis (Parkinson, Alzheimer, diabetes etc.). A célula-tronco, com adequada substância adicionada, pode dar origem ao tecido desejado, regenerando assim o organismo afetado. Ora, esse procedimento, por mais sedutor que seja, é ilícito não só aos olhos da fé, mas também aos olhos da razão.
Com efeito, a partir das pesquisas do dr. Jerome Lejeune (1926-94), está comprovado que o concepto é autêntico ser humano desde a fecundação do óvulo pelo espermatozóide; não se pode falar de pré-embrião até o 14º dia nem se admite o prazo de 40 ou 80 dias para que haja a animação humana.
São palavras do dr. Lejeune: "A vida começa no momento em que toda a informação necessária e suficiente se encontra reunida para definir o novo ser. Portanto ela começa exatamente no momento em que toda a informação trazida pelo espermatozóide é reunida à informação trazida pelo óvulo. Está então realizado um novo ser. Aquele que mais tarde chamarão Pedro, Paulo ou Madalena ("Pensées du Prof. J. Lejeune", Paris)".
Se assim é, vê-se quão iníquo é o procedimento. Não é lícito produzir um ser humano com a intenção premeditada de o explorar como coisa e depois matá-lo ou congelá-lo por cinco anos e eliminá-lo, desde que um casal benévolo não o venha procurar. A finalidade boa não justifica os meios maus. Aliás, a própria ciência sabe também que, no adulto, existem células-tronco que podem atender à finalidade terapêutica visada.
A ciência sem consciência ética pode se voltar contra o homem. Afinal, ela deve ser cultivada em favor do homem, e não o homem em favor da ciência.
Muito a propósito decidiu o Parlamento Europeu, na sua resolução nº B5 710/2000: "O embrião humano corre o risco de ser considerado uma coisa, uma reserva biológica, um objeto para a manipulação (...) Estamos convictos de que uma única concepção corresponde às exigências da democracia e dos direitos humanos: a que reconhece a plena humanidade do embrião. Esta convicção estimula a pesquisa científica que respeita a integridade do embrião humano. Rejeita toda a ação sobre o embrião que não tenha como objetivo o bem-estar direto do embrião".
Falou o bom senso humano. A ciência saberá ouvi-lo para não sacrificar uma criança, ainda que do tamanho de uma cabeça de alfinete, a fim de servir a um adulto.


Dom Estevão Bettencourt é monge do mosteiro de São Bento e professor de teologia do Seminário São José, da arquidiocese do Rio de Janeiro. Foi professor de teologia da PUC-RJ.



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