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São Paulo, domingo, 22 de junho de 2003

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

O subsídio e a preguiça

Todas as tardes, lá pelas três e meia, ele abre a sua garrafa de vinho, corta um pedaço de queijo, senta-se na varanda e aprecia suas terras e seu gado. Janta às cinco e meia. Em seguida, liga a televisão e se prepara para o "merecido descanso" depois de um "puxado" dia de trabalho.
Às sextas-feiras, ele pára as onze, pois ninguém é de ferro. Às quartas, trabalha só de manhã, porque, à tarde, vai à reunião do seu sindicato, onde formula os pedidos de ajuda governamental para si e para os demais fazendeiros.
Seu nome é Christophe Hochede, um dos milhares de agricultores franceses que têm de 50% a 85% da sua renda garantida por subsídios da União Européia -que somam US$ 135 bilhões por ano! Para Christophe, esse é o sistema ideal.
Os ministros da agricultura da Europa reuniram-se em Luxemburgo na semana passada para tratar da promessa feita à OMC, em Doha, segundo a qual a União Européia aliviaria os subsídios agrícolas a partir de 2003. Deslavadamente, decidiram aumentar ainda mais os subsídios, alegando a entrada de mais dez países na União Européia em 2004.
A França é a maior beneficiária dos US$ 135 bilhões. O "European Global Business" de 9 de junho de 2003 publicou uma provocante fotomontagem com dezenas de vacas pastando no gramado da Torre Eiffel com o seguinte título: "Na França, a vaca é sagrada".
Os produtores rurais franceses têm uma força atemorizante. Não surgiu um estadista com coragem suficiente para cortar suas benesses.
O pior é que uma parte expressiva dos subsídios é para os fazendeiros não produzirem. Os franceses preferem abastecer o mercado interno com café, açúcar e suco importados do Brasil com enorme sobretaxa! Aliás, os americanos fazem o mesmo. No ano passado, gastaram US$ 200 bilhões para subsidiar a agricultura.
Os subsídios distorcem o comércio internacional, dão prêmios para quem não trabalha e castigam os que produzem com afinco e qualidade. O Brasil é uma das vítimas dessa guerra injusta. Nós é que pagamos pelo ócio dos milhões de Christophes do mundo desenvolvido.
Nos últimos dez anos, a produtividade da soja, do milho, do algodão, das frutas e de vários outros produtos brasileiros explodiu. Mas, a cada ganho de eficiência interna, os nossos produtos foram gravados com o protecionismo externo.
O ministro Roberto Rodrigues, da Agricultura, tem sido duro na crítica -e com razão. Ele esteve na comitiva do presidente Lula em Washington. Esperamos que tenha dito ao presidente George W. Bush que o Brasil tem de sair fora dessa guerra desleal -a do desaforado protecionismo.
O avanço da nossa agricultura já é suficiente para credenciar o Brasil a falar grosso em qualquer fórum, a começar pela OMC. Os europeus e os americanos têm todo o direito de viver na "dolce vita", mas com o seu dinheiro, e não com os recursos arrancados dos países pobres, como acontece hoje.


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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