São Paulo, terça, 22 de julho de 1997.



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A dissociação de área econômica e ciência

O problema não se resume aos salários, pois o Ministério da Fazenda faz reter equipamentos importados


LUIZ PINGUELLI ROSA

O Brasil possui o melhor sistema de ciência e tecnologia associado a pesquisa e pós-graduação fora dos países desenvolvidos, ao lado da Índia e, agora, da Coréia do Sul, que, sob certos aspectos, não é mais um país em desenvolvimento.
São conhecidas as contribuições da ciência e da tecnologia do Brasil ao crescimento da produção econômica nacional nos campos de petróleo no mar e em águas profundas, de soja no cerrado, de álcool combustível nos transportes, de geração de energia hidrelétrica, da construção civil pesada. Somente um trabalho recente da Coppe propiciou à Petrobrás uma economia de US$ 300 milhões.
Muitos desses resultados vieram de teses de pós-graduação nas universidades, especialmente nas públicas, inclusive em parcerias com empresas, tanto estatais como privadas.
Talvez isso incomode os ideólogos da privatização da universidade do Banco Mundial. Apesar dos exageros neoliberais contra o setor público, deve-se reconhecer a seriedade das agências dos ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia: CNPq, Finep e Capes.
O CNPq está propondo mudanças, preocupado com a limitação dos recursos para a pesquisa e com o crescimento das bolsas de mestrado e de doutorado. A concessão destas passaria a ser feita por intermédio dos professores-pesquisadores, não mais dos programas de pós-graduação universitários.
É preciso cuidado para que o papel maior do pesquisador, individualmente, não colida com a preservação de instituições acadêmicas de alto nível existentes no país.
A alocação de bolsistas para fazer tese com cada professor qualificado como pesquisador pelo CNPq não deve se dar antes de os alunos serem aprovados nos cursos e exames de qualificação. A qualificação do aluno deve estar subordinada a um conjunto mais amplo de professores-pesquisadores, que permita uma visão diferenciada das áreas, não apenas por uma tutoria individual.
Essas preocupações estão sendo discutidas para haver um consenso na comunidade. Para corrigir desperdícios ou bolsas mal aproveitadas, uma solução seria adotar um sistema híbrido para conceder as bolsas por intermédio dos cursos credenciados pela Capes para teses com pesquisadores credenciados pelo CNPq.
A pesquisa e a pós-graduação atravessam, entretanto, um momento crítico. O FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) está esvaziado, por falta de verba. O Programa de Núcleos de Excelência, por outro lado, só recebeu, em 1996, 20% dos recursos prometidos pelo presidente da República, frustrando os ganhadores.
Na área do Ministério da Educação, a situação não é melhor. Taxas de bancada da Capes para pesquisa têm sido retidas nas reitorias por falta de orçamento para pagar a conta de luz e a limpeza. O Ministério liberou apenas cerca de 35% dos recursos de um convênio firmado com a UFRJ para as obras complementares ao Projeto I-2000 -moderníssimo complexo de laboratórios do Centro de Tecnologia.
O projeto vai de vento em popa devido aos convênios da Petrobrás e da Finep com a Coppe e aos apoios dos governos estadual e municipal e de várias empresas interessadas em parcerias.
O Ministério da Administração, por sua vez, ameaçou reduzir salários de funcionários da UFRJ. Apesar de o ministro ter assegurado ao reitor que não quer o desmantelamento da universidade, os funcionários ficaram sob terror, prejudicando seu rendimento no trabalho.
Ademais, seus salários já foram reduzidos pela inflação, sem reajustes, e o ministro da Fazenda proibiu o reitor de cumprir decisões judiciais de estender aos civis os 28,8% dados aos militares pelo governo.
O problema não se resume aos salários, pois o Ministério da Fazenda faz reter equipamentos importados para pesquisa científica, gerando enormes prejuízos para esta, enquanto é facilitada a importação de toda sorte de bugigangas para o consumo supérfluo.
Equipamentos sofisticados, computadores e até reagentes químicos e produtos radioativos são retidos e armazenados nas instalações do aeroporto do Galeão. Tudo isso se deve às normas burocráticas obtusas inventadas.
Os economistas do governo não dão as verbas para a universidade recolher taxas ao próprio governo, que toma duplo prejuízo, pois os equipamentos importados foram pagos com verbas do governo também, para projetos apoiados pela área de ciência e tecnologia do próprio governo. É um hospício.
O CNPq, a Finep, a Capes, os ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia, a SBPC, as universidades e os institutos científicos devem se unir diante da área econômica do governo para defender as universidades federais e a pesquisa científica.
Luiz Pinguelli Rosa, 55, físico, é professor-titular e diretor da Coordenação dos Programas de Pós-Gradução em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE/UFRJ).




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