|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MARCELO LEITE
O risco dos vírus
emergentes
A revista científica "PNAS"
(www.pnas.org), da Academia
Nacional de Ciências dos Estados Unidos, publica hoje na Internet um artigo desconcertante -ao menos para
leigos. É complicado, como tudo hoje
em biologia molecular, mas pode ser
resumido numa frase: o tipo de câncer
causado pelo amianto (asbesto) pode
ser intermediado por um vírus.
E um vírus de macaco, acredite.
O tumor em causa é o mesotelioma,
um tanto raro (não muito mais do que
um caso para cada milhão de pessoas). Já foi estabelecida a ligação desse câncer, que ataca uma membrana
em volta do pulmão (o mesotélio),
com as fibras longas de amianto, se aspiradas. Também já se sabia que o vírus símio SV40 é encontrado em alguns portadores de mesotelioma.
A novidade no artigo de Michele
Carbone e colegas na "PNAS" foi provar que o SV40 tem uma predileção
por células mesoteliais e que é capaz
de transformá-las sem destruí-las.
Eles também indicam que essa transformação, por algum processo desconhecido, parece tornar as células mais
suscetíveis ao desenvolvimento do
câncer na presença de amianto.
Por certo não se trata da única doença humana séria causada por vírus
animais, nem mesmo de macacos. Está aí o HIV, que a equipe da cientista
Beatrice Hahn já demonstrou ter passado de chimpanzés para o homem,
dando nascimento à Aids. Ebola e febre amarela silvestre também são
doenças relacionadas com essa promiscuidade ambiental entre espécies.
Há muito pesquisador preocupado
com as chamadas doenças emergentes, fruto da penetração inexorável do
gênero humano nos últimos redutos
tropicais e ecossistemas inóspitos.
Centros de excelência no exterior, como a Universidade Harvard, estão
criando centros especializados nesse
novo problema de saúde pública.
O provável aquecimento global,
provocado pela emissão contínua de
gases do efeito estufa numa economia
mundial viciada em combustíveis fósseis, só piora o quadro. Com o aumento da temperatura média, a fronteira
de doenças do Terceiro Mundo -como malária e dengue- pode deslocar-se mais para o Norte. Não é pelos
pobres do Sul, mas em causa própria,
que países desenvolvidos se dedicam à
pesquisa das pestes do novo milênio.
Nesse contexto, soa de fato temerário investir milhões e milhões em pesquisas para transformar porcos em
doadores de órgãos para transplantes,
como fazem algumas empresas de
biotecnologia. Afinal, é sabido que a
espécie Sus scrofa é um cavalo de
Tróia, escondendo em seu ventre genético o chamado Perv (retrovírus endógeno do porco). Essas partículas virais não afetam os suínos, mas poderiam dar origem a novas doenças no
Homo sapiens -você, eu, todos nós.
E não se diga que a probabilidade é
mínima, que é preciso pesar riscos
contra benefícios etc. Artigo publicado eletronicamente pela revista "Nature" (www.nature.com) quinta-feira
passada mostrou que, em camundongos, esse é exatamente o efeito colhido: infecção de tecidos do roedor pelo
Perv suíno redivivo.
Como empresas de biotecnologia
precisam justificar essa aventura milionária para seus acionistas, daqui a
pouco vão dizer que os céticos são inimigos do progresso. Não caia nessa.
Marcelo Leite é editor de Ciência da Folha e autor do livro "Os Alimentos Transgênicos", da coleção "Folha Explica".
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Custo e benefício Próximo Texto: Frases
Índice
|