São Paulo, quarta-feira, 22 de agosto de 2001

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CARLOS HEITOR CONY

Objetivo nacional

RIO DE JANEIRO - Numa reunião com estudantes, perguntaram-me o que achava da atual onda que exige mais ética dos homens públicos tanto no governo como na imprensa, no empresariado, nos esportes, em todos os campos da atividade humana.
Dei uma resposta que, acredito, não deve ter agradado a ninguém, mas a mim agradou bastante. O "boom" ético que atravessamos é um bem e um mal, como quase tudo neste mundo de Deus, que, sabiamente, o dividiu com o Diabo para que as coisas ficassem definidas. Ele seria responsável pelo Bem. O Diabo, responsável pelo Mal.
O lado bom da cobrança ética é que ela está obrigando os homens públicos a respeitar minimamente as regras da decência humana, não roubando, não violentando, não praticando nenhuma das muitas formas de prevaricação.
O lado mau é que, há mais de dois anos, o Brasil está praticamente parado, a opinião pública preocupada em saber quem roubou quanto, onde foi parar o dinheiro tal, quem rouba o que e de quem.
Evidente que essa preocupação é justa e necessária. Apenas não pode ser alçada a objetivo nacional. Digamos que, por um milagre, as CPIs, a mídia, a polícia, quem quer seja, consigam expurgar do seio da sociedade todos os ladrões, todos os negocistas, todos os prevaricadores. Mesmo que sobre pouca gente, não teremos nenhuma solução para nossos problemas maiores e desafios permanentes.
Seremos uma sociedade de anjos, com serafins e querubins administrando o futebol, as finanças, a mídia, a política, tudo enfim. Ótimo. Nada tenho contra essa idade de ouro que todos desejamos.
Mas, enquanto perdemos tempo, espaço e energia clamando por ética acima de tudo, deixamos de cobrar melhor distribuição de renda, reforma agrária, justiça social, mais empregos, mais energia, mais desenvolvimento, mais tudo o que temos pouco ou que nos falta.


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