São Paulo, quarta-feira, 22 de agosto de 2001

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ANTONIO DELFIM NETTO

Cacofonia

Desde março, quando, depois de dar todas as indicações de que perseguia uma baixa na taxa de juros, o Banco Central surpreendeu a todos e inverteu a tendência, impondo enorme prejuízo ao mercado, a sua credibilidade ficou abalada. É lamentável, pois houve visível melhoria da atuação do Banco Central desde janeiro de 1999, quando o mercado levou à mudança cambial e, logo depois, foi instituído o sistema de metas inflacionárias. Desde aquele momento até março de 2001, a administração monetária revelou certo virtuosismo. É preciso, portanto, recuperar sua credibilidade.
Na outra área afeta ao banco (sobre cuja permanência lá há dúvida), que é a da legislação prudencial e a sua instrumentação, houve maior rigor e, talvez, até velocidade excessiva na sua implementação. A ação preventiva para aumentar a higidez do sistema bancário nacional foi bem-vinda, pois os custos de crises cambiais associadas a crises bancárias costumam ser enormes. Isso, obviamente, não implica, como sugerem alguns de nossos "mercados xiitas", a entrega do sistema bancário a estrangeiros supostamente (apenas supostamente) mais saudáveis porque controlados pelas agências de supervisão bancária de seus países de origem.
O exercício da política monetária em condições de absoluta incerteza e de extrema precariedade de informação é atividade arriscada, que não pode ser realizada apenas com as expectativas do sistema financeiro. O Banco Central tem de ampliar o seu universo de informações sobre o setor físico da economia. Agora que o "futuro" já é "passado", isto é, com o benefício do retrovisor, pode-se ver claramente que o nível da atividade industrial vinha registrando queda desde o fim do ano. Os pobres mortais, como nós, têm de esperar o IBGE revelar isso com a defasagem que separa a operação cirúrgica -preventiva e salvadora- da autópsia do cadáver.
O Banco Central, entretanto, tem de obter essas informações em tempo real. Não pode restringir-se ao sistema financeiro, que se preocupa em arbitrar, no mercado de juros, o câmbio e os papéis, mas tem alergia à produção de parafusos... Ser surpreendido com a dimensão da queda do PIB real, como foi na semana passada, é um pecado capital. Não é desculpa aceitável dizer que até o "maestro" Greenspan tem tido "surpresas" recentemente. É pecado que precisa ser expiado urgentemente. Quem pode confiar numa política monetária que assegura ser capaz de estimar a taxa de inflação futura de 9 a 18 meses quando não enxerga o momento em que está vivendo? O "trenzinho", cujos vagões são os aumentos sucessivos dos juros desde março, vai chegar ao seu destino e ainda produzir mais efeitos. Como disse um dia Shakespeare: "O que está feito está feito. Pode ser desfeito, mas não pode ser não-feito".
O sr. presidente, por sua vez, teve uma recaída para os anos 70 e não ajudou em nada o Banco Central quando disse, no Chile, com relação aos juros, que "é o Banco Central que cuida, mas precisamos de uma sintonia fina para que possamos (...) ter uma retomada do crescimento". Ah, que pena que o governo seja uma cacofonia!


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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