|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANTONIO DELFIM NETTO
Cacofonia
Desde março, quando, depois
de dar todas as indicações de que
perseguia uma baixa na taxa de juros,
o Banco Central surpreendeu a todos
e inverteu a tendência, impondo enorme prejuízo ao mercado, a sua credibilidade ficou abalada. É lamentável,
pois houve visível melhoria da atuação do Banco Central desde janeiro de
1999, quando o mercado levou à mudança cambial e, logo depois, foi instituído o sistema de metas inflacionárias. Desde aquele momento até março de 2001, a administração monetária
revelou certo virtuosismo. É preciso,
portanto, recuperar sua credibilidade.
Na outra área afeta ao banco (sobre
cuja permanência lá há dúvida), que é
a da legislação prudencial e a sua instrumentação, houve maior rigor e, talvez, até velocidade excessiva na sua
implementação. A ação preventiva
para aumentar a higidez do sistema
bancário nacional foi bem-vinda, pois
os custos de crises cambiais associadas a crises bancárias costumam ser
enormes. Isso, obviamente, não implica, como sugerem alguns de nossos
"mercados xiitas", a entrega do sistema bancário a estrangeiros supostamente (apenas supostamente) mais
saudáveis porque controlados pelas
agências de supervisão bancária de
seus países de origem.
O exercício da política monetária em
condições de absoluta incerteza e de
extrema precariedade de informação
é atividade arriscada, que não pode ser
realizada apenas com as expectativas
do sistema financeiro. O Banco Central tem de ampliar o seu universo de
informações sobre o setor físico da
economia. Agora que o "futuro" já é
"passado", isto é, com o benefício do
retrovisor, pode-se ver claramente
que o nível da atividade industrial vinha registrando queda desde o fim do
ano. Os pobres mortais, como nós,
têm de esperar o IBGE revelar isso
com a defasagem que separa a operação cirúrgica -preventiva e salvadora- da autópsia do cadáver.
O Banco Central, entretanto, tem de
obter essas informações em tempo
real. Não pode restringir-se ao sistema
financeiro, que se preocupa em arbitrar, no mercado de juros, o câmbio e
os papéis, mas tem alergia à produção
de parafusos... Ser surpreendido com
a dimensão da queda do PIB real, como foi na semana passada, é um pecado capital. Não é desculpa aceitável dizer que até o "maestro" Greenspan
tem tido "surpresas" recentemente. É
pecado que precisa ser expiado urgentemente. Quem pode confiar numa
política monetária que assegura ser
capaz de estimar a taxa de inflação futura de 9 a 18 meses quando não enxerga o momento em que está vivendo? O "trenzinho", cujos vagões são os
aumentos sucessivos dos juros desde
março, vai chegar ao seu destino e ainda produzir mais efeitos. Como disse
um dia Shakespeare: "O que está feito
está feito. Pode ser desfeito, mas não
pode ser não-feito".
O sr. presidente, por sua vez, teve
uma recaída para os anos 70 e não ajudou em nada o Banco Central quando
disse, no Chile, com relação aos juros,
que "é o Banco Central que cuida, mas
precisamos de uma sintonia fina para
que possamos (...) ter uma retomada
do crescimento". Ah, que pena que o
governo seja uma cacofonia!
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Objetivo nacional Próximo Texto: Frases
Índice
|