São Paulo, quarta-feira, 22 de agosto de 2007

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A obrigação de julgar

Diante da profusão de indícios de crimes, o mínimo a esperar é que os pivôs do mensalão sejam julgados no Supremo

UM JULGAMENTO histórico. Oxalá seja esse o termo apropriado para designar a sessão que começa hoje no Supremo Tribunal Federal. Dois anos, dois meses e 17 dias após deflagrado o escândalo, dez ministros vão decidir se aceitam a principal denúncia ligada ao mensalão.
É frustrante constatar que não haverá sentença sobre os desmandos que abalaram o governo Lula tão cedo. Desapontamento maior, contudo, virá na hipótese de a corte impedir o julgamento dos principais personagens do caso. Para que se aceite uma denúncia, basta que os magistrados reconheçam indícios de prática de ilícitos na peça assinada pelo procurador-geral da República. O texto de Antonio Fernando Souza está coalhado deles.
Afirma a denúncia que uma "quadrilha", cujo núcleo central era composto por José Dirceu, à época chefe da Casa Civil de Lula, e pelos então dirigentes petistas José Genoino, Delúbio Soares e Sílvio Pereira, se formou com o objetivo de "garantir o projeto de poder do Partido dos Trabalhadores, mediante a compra de suporte político de outros partidos e do financiamento futuro e pretérito das suas próprias campanhas eleitorais".
As pistas fundamentais para a elucidação do esquema foram reveladas por Roberto Jefferson, então presidente do governista PTB, em entrevistas a Renata Lo Prete publicadas nesta Folha. O mensalão, o papel de Delúbio Soares na compra de apoio político, o envolvimento dos principais líderes aliados de Lula, a participação de um até então desconhecido Marcos Valério de Souza, "todas as imputações feitas pelo ex-deputado Roberto Jefferson ficaram comprovadas", escreve o procurador-geral.
Marcos Valério, que desenvolvera uma tecnologia de desvio de recursos durante o governo tucano de Eduardo Azeredo em Minas, ofereceu seus préstimos ao petismo antes mesmo da posse de Lula. Por meio de suas empresas de fachada foram remetidos ao exterior R$ 10 milhões em dinheiro sujo para remunerar Duda Mendonça, o publicitário da campanha lulista de 2002.
Também pelas firmas do lobista mineiro travestido de publicitário fluíram pelo menos R$ 55 milhões para abastecer parlamentares em Brasília, nas famosas peregrinações de políticos à agência do Banco Rural da capital do país. A generosidade dessa instituição financeira, aliás, levou-a a comprometer 10% de sua carteira de crédito (R$ 292,6 milhões em março de 2005) com empréstimos a Marcos Valério e seu grupo e ao próprio PT.
"Simulação de empréstimos", afirma Antonio Fernando Souza: "Tanto o grupo ligado a Marcos Valério quanto as instituições financeiras apenas ingressaram no esquema, pois tiveram a prévia concordância do ministro chefe da Casa Civil e a garantia da inexistência de controle sobre suas atividades ilícitas e de benefícios econômicos diretos e indiretos".
A participação de autarquias e empresas estatais, bem como de companhias privadas interessadas em informação e tratamento privilegiados do poder público, fecha o circuito lógico do esquema. Operações fraudulentas com o Banco do Brasil, a Câmara dos Deputados, o Ministério dos Esportes, os Correios e a Eletronorte, segundo a denúncia, abasteceram o valerioduto. Daí a centralidade de Dirceu, responsável pelo aparelhamento da máquina federal, no esquema narrado. É descrito como "o principal articulador dessa engrenagem".
Por tudo isso, os 40 do mensalão devem ir a julgamento.


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