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A obrigação de julgar
Diante da profusão de indícios de crimes, o mínimo a esperar é que os pivôs do mensalão sejam julgados no Supremo
UM JULGAMENTO histórico. Oxalá seja esse o
termo apropriado para
designar a sessão que
começa hoje no Supremo Tribunal Federal. Dois anos, dois meses e 17 dias após deflagrado o escândalo, dez ministros vão decidir se aceitam a principal denúncia ligada ao mensalão.
É frustrante constatar que não
haverá sentença sobre os desmandos que abalaram o governo
Lula tão cedo. Desapontamento
maior, contudo, virá na hipótese
de a corte impedir o julgamento
dos principais personagens do
caso. Para que se aceite uma denúncia, basta que os magistrados
reconheçam indícios de prática
de ilícitos na peça assinada pelo
procurador-geral da República.
O texto de Antonio Fernando
Souza está coalhado deles.
Afirma a denúncia que uma
"quadrilha", cujo núcleo central
era composto por José Dirceu, à
época chefe da Casa Civil de Lula, e pelos então dirigentes petistas José Genoino, Delúbio Soares e Sílvio Pereira, se formou
com o objetivo de "garantir o
projeto de poder do Partido dos
Trabalhadores, mediante a compra de suporte político de outros
partidos e do financiamento futuro e pretérito das suas próprias
campanhas eleitorais".
As pistas fundamentais para a
elucidação do esquema foram reveladas por Roberto Jefferson,
então presidente do governista
PTB, em entrevistas a Renata Lo
Prete publicadas nesta Folha. O
mensalão, o papel de Delúbio
Soares na compra de apoio político, o envolvimento dos principais líderes aliados de Lula, a
participação de um até então
desconhecido Marcos Valério de
Souza, "todas as imputações feitas pelo ex-deputado Roberto
Jefferson ficaram comprovadas", escreve o procurador-geral.
Marcos Valério, que desenvolvera uma tecnologia de desvio de
recursos durante o governo tucano de Eduardo Azeredo em
Minas, ofereceu seus préstimos
ao petismo antes mesmo da posse de Lula. Por meio de suas empresas de fachada foram remetidos ao exterior R$ 10 milhões
em dinheiro sujo para remunerar Duda Mendonça, o publicitário da campanha lulista de 2002.
Também pelas firmas do lobista mineiro travestido de publicitário fluíram pelo menos R$ 55
milhões para abastecer parlamentares em Brasília, nas famosas peregrinações de políticos à
agência do Banco Rural da capital do país. A generosidade dessa
instituição financeira, aliás, levou-a a comprometer 10% de
sua carteira de crédito (R$ 292,6
milhões em março de 2005) com
empréstimos a Marcos Valério e
seu grupo e ao próprio PT.
"Simulação de empréstimos",
afirma Antonio Fernando Souza:
"Tanto o grupo ligado a Marcos
Valério quanto as instituições financeiras apenas ingressaram
no esquema, pois tiveram a prévia concordância do ministro
chefe da Casa Civil e a garantia
da inexistência de controle sobre suas atividades ilícitas e de
benefícios econômicos diretos e
indiretos".
A participação de autarquias e
empresas estatais, bem como de
companhias privadas interessadas em informação e tratamento
privilegiados do poder público,
fecha o circuito lógico do esquema. Operações fraudulentas
com o Banco do Brasil, a Câmara
dos Deputados, o Ministério dos
Esportes, os Correios e a Eletronorte, segundo a denúncia, abasteceram o valerioduto. Daí a centralidade de Dirceu, responsável
pelo aparelhamento da máquina
federal, no esquema narrado. É
descrito como "o principal articulador dessa engrenagem".
Por tudo isso, os 40 do mensalão devem ir a julgamento.
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