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Autonomia em risco na nova TV pública
DIOGO MOYSES e JOÃO BRANT
Entendeu-se que o governo cumpriria o compromisso. Porém, o caráter público da nova TV, que parecia consolidado, está em risco
QUANDO O governo federal
anunciou a intenção de construir uma rede pública de televisão, setores da sociedade logo se
preocuparam em definir as diferenças fundamentais entre emissoras
públicas e estatais.
Para ser de fato pública, a nova TV
deveria ter gestão independente do
governo, financiamento não contingenciável e uma programação que refletisse a diversidade da sociedade
brasileira. Não cumpridas essas premissas, a nova instituição acabaria
por se constituir como uma TV estatal ou governamental, mas não uma
TV pública.
A apreensão de que tais princípios
não fossem respeitados não nos impediu de apoiar a iniciativa. Afinal, é
evidente a necessidade de instituir no
país um autêntico sistema público de
comunicação, autônomo e independente dos governos e do mercado.
Historicamente, o setor comercial
de rádio e TV tem se mostrado incapaz de garantir o debate plural sobre
as questões centrais para o Brasil. São
inúmeros -e permanentes- os
exemplos em que os interesses particulares dos donos da mídia se impõem ao interesse público, com resultados desastrosos para a democracia.
A polêmica "público X estatal" parecia ter sido dirimida com a realização do 1º Fórum Nacional de TVs Públicas, em maio deste ano, quando governo, emissoras do campo público e
organizações da sociedade civil assinaram a Carta de Brasília, documento
que estabelecia diretrizes para a nova
TV pública: deveria ser independente
em relação ao governo federal, com
autonomia para estabelecer sua programação e gerenciar seus recursos.
O conselho gestor da TV Brasil, explicitava o documento, deveria ser representativo da sociedade e, em sua
composição, o governo não deveria
ter maioria. Buscava-se, assim, afastar o risco de a emissora se tornar braço político do Executivo federal, qualquer que seja seu ocupante.
Nos últimos meses, prevaleceu a
convicção de que o governo cumpriria
o compromisso assumido e daria efetividade aos princípios pactuados.
De fato, alguns princípios parecem
estar se concretizando. Será um avanço se o governo realmente adotar um
modelo de rede horizontal e descentralizado. Também é positivo o incentivo à autonomia das emissoras estaduais em relação aos governos locais.
Entretanto, o que parecia consolidado -o caráter público da nova instituição- está sob risco.
A proposta atual do governo contraria os princípios da Carta de Brasília ao estabelecer mecanismos de gestão vinculados direta e exclusivamente ao Executivo federal. Pela proposta, tanto o conselho gestor da TV (responsável por zelar pelas finalidades
públicas da instituição) quanto a presidência da nova emissora seriam indicados pelo presidente da República,
sem nenhuma necessidade de aprovação por órgão independente.
Ora, com um conselho de "personalidades" indicado pelo presidente, a
TV perde sua autonomia e independência, com ameaça a seu caráter público. Não é a mera existência de um
órgão gestor que confere à emissora
esse caráter público. É preciso que ele
seja plural e representativo, preservando a independência da instituição
em relação ao governo. Além disso, é a
própria sociedade quem deve escolher os seus representantes.
A idéia de um governo que indica,
em nome da sociedade, quem a representa é paternalista e antidemocrática, independentemente de quem sejam esses indicados.
Alega o ministro Franklin Martins
(Comunicação Social) que representantes de instituições no conselho
gestor da emissora tendem a defender interesses corporativos. A preocupação com a possível contaminação da instituição por interesses particulares é legítima, mas a solução
proposta é a pior possível.
É certo que não deve haver no conselho vagas fixas para nenhuma instituição. O desafio é estabelecer mecanismos democráticos e participativos
de indicação, seja por conferência, seja por eleição direta.
Esse modelo já é utilizado -e bem-sucedido- em estruturas como o
Conselho Nacional de Saúde e o Conselho das Cidades que, embora tenham atribuições distintas daquelas
do conselho de gestão da nova TV pública, também têm a missão de representar o conjunto da sociedade.
A ousadia e a coragem que o governo teve ao propor a criação de uma
nova rede de televisão devem permanecer na escolha de seu modelo de
gestão. Neste momento de definições,
é imprescindível zelar pelo caráter
efetivamente público da futura instituição, para que nenhum governo, a
qualquer tempo, possa utilizá-la como um instrumento político. Que assim seja, para o bem da ainda incipiente democracia brasileira.
DIOGO MOYSES, 28, graduado em comunicação social pela Escola de Comunicações e Artes da USP e mestrando
em direitos humanos pela Faculdade de Direito da USP, e
JOÃO BRANT, 28, graduado em comunicação social pela
Escola de Comunicações e Artes da USP e mestre em políticas de comunicação pela London School of Economics
and Political Sciense (Inglaterra), são coordenadores do
Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social.
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