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São Paulo, segunda-feira, 22 de setembro de 2003

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BORIS FAUSTO

Ódio sem limites

A declaração do vice-primeiro-ministro de Israel, Ehud Olmert, afirmando ser o assassinato de Iasser Arafat uma opção válida para conter o terrorismo não chega a surpreender inteiramente. Nem, muito menos, a posterior afirmativa do chanceler Silvan Shalom de que essa não é a posição oficial do governo israelense. A técnica das afirmações estrepitosas, seguidas de retificação quando as repercussões se revelam muito negativas, é por demais conhecida para que a levemos a sério.
Por que a declaração não chega a surpreender de todo? Porque o assassinato político é uma prática recorrente no curso da história, inclusive da história contemporânea. Vejamos alguns exemplos de ações criminosas tentadas ou logradas. Fidel Castro foi alvo de uma série de conspirações fracassadas por parte da CIA, algumas de estilo "hollywoodiano", como as que se propunham enviar-lhe charutos envenenados.
Pior sorte tiveram Patrice Lumumba, John F. Kennedy e Yitzhak Rabin. Lumumba, primeiro-ministro do ex-Congo Belga, parceiro da União Soviética, foi torturado e morto em uma operação envolvendo os belgas, os inimigos internos e as grandes corporações. Kennedy perdeu a vida em um atentado que nunca foi esclarecido de todo, parecendo ter resultado de uma conspiração conjunta de extrema direita americana, exilados cubanos e grupos mafiosos. Rabin, figura central no caminho da paz, hoje tão distante no Oriente Médio, foi morto por um jovem fanático, intoxicado pela doutrinação de grupos religiosos judaicos, que vinham pregando publicamente o assassinato do então primeiro-ministro israelense.
O que há de surpreendente no episódio é o fato de que a hipótese de liquidação física de Arafat tenha sido proclamada por um importante membro do governo de Israel, sem meias palavras. Sintomáticas são as indicações de que, se as declarações de Olmert foram repelidas em quase todo o mundo, tiveram repercussão favorável em parte da imprensa e da população israelense. Mesmo antes das declarações, um editorial do jornal "Jerusalem Post" propusera a morte de Arafat, com argumentos como "o mundo não vai nos ajudar; temos de ajudar a nós mesmos".
O pior de tudo é que a demonstração de ódio sem limites não é marca registrada de certos meios judaicos, mas uma via de mão dupla. Basta lembrar a forma como palestinos saudaram a morte de milhares de pessoas no episódio terrorista do 11 de Setembro. Quando a violência contra eles chegou às proporções a que chegou -ocupação de terras, destruição de casas, confinamento, mortes de civis inocentes- ou quando a população israelense é atingida por atentados que matam civis igualmente inocentes, não se poderia esperar outra coisa senão o paroxismo do ódio recíproco.
Com o fracasso da tentativa de paz ensaiada por Bush, a inexistência de uma alternativa ao governo Sharon e a retomada do terrorismo, chegamos a uma situação-limite, em que a desesperança, nos meios sensatos, se instalou. A paz ficou distante e mais distante ainda o caminho da construção de um Estado palestino.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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