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JOSÉ SARNEY
A calmaria e o Brasil vai à Guerra
"Depois de procelosa tempestade...", para relembrar Camões,
as coisas se acalmam. Não chegou a
catástrofe que apregoaram. O pleito
realizou-se, e as nuvens negras se dissiparam. Parece que o perigo não estava em Lula, mas no outro. Eleições geram efeitos colaterais sadios para a sociedade: as paixões passam, as tensões
se aliviam, as tempestades aprontadas
e anunciadas se dissolvem, a rotina
traz claridade e as esperanças brotam
e crescem.
Quem arriscaria prever o clima que
vivemos? O dólar disparado parou e
caiu. A inflação subiu, não por culpa
de Lula, mas do passado. No final do
primeiro mandado de FHC, o IGP da
Fundação Getúlio Vargas estava em
torno de 1,7% ao ano e, agora, em 17%
-dez vezes. Uma herança preocupante que recebe o novo presidente,
pois esse índice é indexador das tarifas
públicas.
Do Senado americano surge a surpresa agradável: uma moção de congratulação pela eleição de Lula, saudando-o como "um parceiro democrático de numerosos esforços bilaterais e multilaterais dos quais os Estados Unidos e o Brasil são parte". Lula,
quem diria, conseguiu que democratas e republicanos se unissem para homenageá-lo. A iniciativa dos senadores Christopher, democrata de Connecticut, e Chafee, republicano de
Rhode Island, foi aprovada por unanimidade. Na resolução de quatro páginas -noticiam os jornais-, os senadores não apenas fizeram um gesto de
cortesia mas também se congratularam com o presidente Bush pelo convite feito ao presidente eleito do Brasil
para se encontrarem numa reunião de
trabalho.
É uma demonstração de como a
eleição de Lula foi recebida no exterior
-e prova o embuste dos receios alardeados na campanha eleitoral. A biografia de Lula é um trunfo de que o
Brasil passa a dispor na defesa de seus
interesses.
Mas, se lá são flores, cá não são tantas. A semana que passa deixa um rastro de notícias más: a renda do brasileiro caiu 1,3%, a cesta básica passou a
valer um salário mínimo, a gasolina
subiu além de R$ 2, passando a pesar
seriamente no bolso do consumidor,
os juros subiram, a inflação bateu recorde e o fantasma da recessão está no
ringue. A dívida pública continua no
tobogã e, como maré, sobe e baixa ao
sabor das altas e dos recuos dos juros e
do dólar. Se o dólar baixa, a dívida baixa, mas sobe o juro e a dívida dispara.
Anteontem, por exemplo, com a subida dos juros para 22% -a taxa real
mais alta do mundo-, a dívida subiu
R$ 3,2 bilhões, sendo seu total de R$
632 bilhões. Coisa para ninguém botar
defeito!
Mas "está tudo bem". A transição
transita e a novidade vem do secretário da Defesa dos Estados Unidos,
que, na contra-mão do Senado americano, coloca uma pedra para Lula:
lança a idéia de um tratado de paz para a América Latina. Presente de grego. Diz que a guerra é global, que a
América do Sul está cheia de terroristas e que há a necessidade de criar-se
uma força sul-americana, treinada em
cooperação com os EUA, para lutar
"em qualquer lugar do mundo". "Coisa de prestígio", sobretudo pelo que
oferece: o Brasil tem a honra de participar da guerra de Bush, manda seus
soldados e "os Estados Unidos fornecem o transporte" para morrermos
atrás de Bin Laden.
"Muy" amigo.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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