São Paulo, sexta-feira, 22 de novembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Qualidade da programação televisiva

ANTONIO RODRIGUES DE FREITAS JR. e LUIZ PAULO TELES BARRETO

A duvidosa qualidade de certos programas de televisão, crescentemente permissivos no que tange à exploração do erotismo e da violência como ferramentas de disputa por índices de audiência, tem alimentado legítimas demandas da sociedade, em direção às autoridades públicas, visando à coibição de reiterados excessos ora praticados num cenário de declarada guerra entre algumas emissoras.
Isso não é novidade. De tempos em tempos, a disputa entre certas emissoras ultrapassa os limites do razoável e, com razão, os atores sociais responsáveis cobram do poder público respostas eficientes. Também não é novidade que, no elevado propósito de endereçar limites para emissoras de televisão -não é demais lembrar, beneficiárias de concessão pública-, estas, em resposta, defendem-se escudadas no repúdio à censura.
Muito já se tentou disciplinar esse problema pela via da auto-regulamentação. Por sinal, um caminho tido como consensualmente adequado, até mesmo pelas próprias emissoras. Entretanto esse aparente consenso dissolve-se em meio aos imperativos comerciais, fazendo com que, até o momento, todo o empenho das autoridades tenha resultado infrutífero.
O que fazer, então?
Em primeiro lugar, ter presente os limites com que a Constituição, secundada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, confere competência ao poder público para a classificação etária dos programas de televisão. Classificação que já é realizada por intermédio da Secretaria Nacional de Justiça, reiteradas vezes não observada pela maioria dos veículos.
Ante a inexistência de sanções administrativas legalmente franqueadas ao Ministério da Justiça, as transgressões, reiteradas após advertência formal, são endereçadas ao Ministério Público, a quem compete a proposição das medidas judiciais que entende cabíveis. Importa realçar que ao Ministério da Justiça não cabe interferir no conteúdo da programação, nem tampouco substituir ao telespectador no repúdio mais eficaz que os excessos merecem: mudar de canal.


Importa realçar que ao Ministério da Justiça não cabe interferir no conteúdo da programação


Já no tocante à qualidade, é preciso lembrar que existe, instalado e funcionando, o Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, que se destina, precisamente, a fazer com que a programação das emissoras de televisão atendam aos princípios dispostos no art. 221 da Constituição da República; entre os quais figura: "respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família". Não poderia ser outro o tratamento conferido pela Constituição num quadro de Estado democrático de Direito.
A extraordinária variedade de parâmetros éticos, morais e religiosos aptos a pautar juízos sobre qualidade e adequação da produção cultural, em especial da programação televisiva, faz com que a atuação do poder público seja feita na sede da representação popular, ou seja, no Congresso Nacional. Não há como delegar ao Executivo, num ambiente institucional democrático, a atribuição de interferir nessa matéria, sob risco de que essa interferência seja desacompanhada de uma pauta de valores socialmente legítima e secular.
Entretanto algo pode e deve ser feito para aperfeiçoar o procedimento de classificação etária atualmente adotado. Encontra-se em fase de estudo proposta da Secretaria Nacional de Justiça no sentido de instituir um comitê interinstitucional com o objetivo de opinar sobre os critérios de classificação e dotado do poder de se manifestar nos recursos interpostos pelas emissoras nos casos concretos.
O que se pretende é conferir à sociedade, às autoridades voltadas à tutela dos direitos da criança e do adolescente, às emissoras e a outros produtores culturais um veículo institucional permanente para o qual sejam endereçadas as respectivas demandas e insatisfações.
Que todos se sintam bem-vindos a dialogar, de modo fraterno e responsável, sobre um assunto tão delicado e relevante. É assim que se faz na democracia.


Antonio Rodrigues de Freitas Júnior, 43, doutor e livre docente pela Faculdade de Direito da USP, professor associado da Unicamp, é secretário nacional de Justiça do Ministério da Justiça.
Luiz Paulo Teles F. Barreto, 38, é subsecretário nacional de Justiça do Ministério da Justiça.



Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Oscar Niemeyer: NovoMuseu

Próximo Texto: Painel do leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.