São Paulo, sábado, 22 de novembro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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É positivo o projeto de lei que autoriza o uso da videoconferência em interrogatórios?

SIM

Vítima do conservadorismo

EDISON APARECIDO BRANDÃO

HÁ POUCO mais de uma semana, fui pego de surpresa por uma chamada em telejornal noturno que noticiava a aprovação pelo Senado Federal do projeto de lei que autoriza a realização de interrogatórios de presos ou testemunhas residentes em outras comarcas por videoconferência. Foi como entrar no túnel do tempo, com o calendário retrocedendo 12 anos. Recordei-me do primeiro interrogatório por videoconferência do Brasil, que realizei em Campinas, em 1996.
Impossível não pensar no que mudou no mundo em tanto tempo: na internet, que engatinhava; nos computadores que nem existem mais, flagelados pela obsolescência; e nas próprias videoconferências, hoje tão mais avançadas. Mas e quanto à videoconferência no âmbito judicial?
Nem mesmo virou lei, pelo contrário, é alvo de bombardeios constantes, em uma demonstração de apego ao formalismo sem precedente.
Nas diversas vezes em que me manifestei sobre o tema, usei diferentes exemplos para explicar o porquê do medo sobre o assunto. A síndrome que pontificava era e é a "síndrome de Maria Bethânia". Nada contra a cantora, por certo, mas lembrando da música "olhos nos olhos"...
Embora hoje a resistência a esse recurso seja bem pequena dentro do Judiciário, os poucos magistrados que ainda se opõem lançam mão do mesmo argumento: a necessidade dos "olhos nos olhos".
Ora, operadores do Direito nunca deveriam acreditar nisso. A explicação é simples: no Brasil, o réu interrogado é presumivelmente inocente. A "impressão" que um juiz sempre terá é a de que ele é inocente. Se o magistrado "achar" (coisa perigosíssima em um regime democrático) que o réu é inocente, nada se altera; se ele "achar" que é culpado, isso seria uma heresia jurídica. Contraria o sagrado princípio constitucional que versa sobre a presunção de inocência. Assim sendo, o juiz não deve "achar" nada, e sim ter certeza para condenar.
Mais um detalhe importante que deve ser mencionado: os réus interrogados em outra comarca, presencialmente, em frente a um juiz, nunca serão interrogados pelo seu juiz natural, que somente lerá a prova que outro magistrado colheu. Ora, quem pode duvidar que o interrogatório pelo próprio juiz da causa, que a julgará, não é o melhor? Como se pode dizer que apenas ler o que outro juiz ditou é melhor que interrogar, à distância, o réu? Pode-se afirmar que um réu, por exemplo, no Japão, será mais bem interrogado por um juiz de outro país que pelo magistrado que lhe julgará?
Óbvias são as vantagens, como a rapidez nos julgamentos, já que, hoje, um réu em São Paulo vê um juiz mais de 45 dias após a prisão. Se o réu alegar agressão física, por exemplo, nem mesmo exame de corpo de delito adiantará, já que eventuais marcas da agressão terão desaparecido.
Em contrapartida, usando-se a videoconferência, é possível ouvir o réu imediatamente após a prisão -algo também jamais mencionado. O que se divulga são meros detalhes formalistas, que levaram nosso país -um dos primeiros do mundo a adotar esse recurso, em meados dos anos 90- a perder tanto tempo que hoje não temos mais pioneirismo nesse campo.
O conservadorismo de alguns juristas e o apego aos velhos formalismos são males da própria ciência do direito. Tanto é que anularam as primeiras sentenças datilografadas -uma verdadeira inovação para época- e, mais recentemente, as digitadas em computador (desta eu não escapei; também tive sentenças anuladas por tal motivo no final dos anos 80).
Pergunta simples: muitos dos desembargadores e ministros que anularam sentenças digitadas em computador e que ainda judicam anulariam hoje uma sentença ou todas as sentenças só porque digitadas? Todos perderam o medo do novo e tiveram que reconhecer as benesses advindas com os avanços tecnológicos, que engoliu medos e preconceitos, que dominou o apego aos formalismos.
Acredito que o mesmo ocorrerá com a videoconferência judicial, embora com mais de uma década de atraso. Não importa, contanto que sejam debelados os sintomas do conservadorismo no direito.


EDISON APARECIDO BRANDÃO, autor do primeiro interrogatório por videoconferência no Brasil (Campinas, em 27 de agosto de 1996, ação penal nº 790/95), é juiz criminal em São Paulo (SP).


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