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TENDÊNCIAS/DEBATES
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É positivo o projeto de lei que autoriza o uso da videoconferência em interrogatórios?
SIM
Vítima do conservadorismo
EDISON APARECIDO BRANDÃO
HÁ POUCO mais de uma semana, fui pego de surpresa por
uma chamada em telejornal
noturno que noticiava a aprovação
pelo Senado Federal do projeto de lei
que autoriza a realização de interrogatórios de presos ou testemunhas
residentes em outras comarcas por
videoconferência. Foi como entrar no
túnel do tempo, com o calendário retrocedendo 12 anos. Recordei-me do
primeiro interrogatório por videoconferência do Brasil, que realizei em
Campinas, em 1996.
Impossível não pensar no que mudou no mundo em tanto tempo: na internet, que engatinhava; nos computadores que nem existem mais, flagelados pela obsolescência; e nas próprias videoconferências, hoje tão
mais avançadas. Mas e quanto à videoconferência no âmbito judicial?
Nem mesmo virou lei, pelo contrário,
é alvo de bombardeios constantes, em
uma demonstração de apego ao formalismo sem precedente.
Nas diversas vezes em que me manifestei sobre o tema, usei diferentes
exemplos para explicar o porquê do
medo sobre o assunto. A síndrome
que pontificava era e é a "síndrome de
Maria Bethânia". Nada contra a cantora, por certo, mas lembrando da
música "olhos nos olhos"...
Embora hoje a resistência a esse recurso seja bem pequena dentro do Judiciário, os poucos magistrados que
ainda se opõem lançam mão do mesmo argumento: a necessidade dos
"olhos nos olhos".
Ora, operadores do Direito nunca
deveriam acreditar nisso. A explicação é simples: no Brasil, o réu interrogado é presumivelmente inocente. A
"impressão" que um juiz sempre terá
é a de que ele é inocente. Se o magistrado "achar" (coisa perigosíssima em
um regime democrático) que o réu é
inocente, nada se altera; se ele
"achar" que é culpado, isso seria uma
heresia jurídica. Contraria o sagrado
princípio constitucional que versa sobre a presunção de inocência. Assim
sendo, o juiz não deve "achar" nada, e
sim ter certeza para condenar.
Mais um detalhe importante que
deve ser mencionado: os réus interrogados em outra comarca, presencialmente, em frente a um juiz, nunca serão interrogados pelo seu juiz natural, que somente lerá a prova que outro magistrado colheu. Ora, quem pode duvidar que o interrogatório pelo
próprio juiz da causa, que a julgará,
não é o melhor? Como se pode dizer
que apenas ler o que outro juiz ditou é
melhor que interrogar, à distância, o
réu? Pode-se afirmar que um réu, por
exemplo, no Japão, será mais bem interrogado por um juiz de outro país
que pelo magistrado que lhe julgará?
Óbvias são as vantagens, como a rapidez nos julgamentos, já que, hoje,
um réu em São Paulo vê um juiz mais
de 45 dias após a prisão. Se o réu alegar agressão física, por exemplo, nem
mesmo exame de corpo de delito
adiantará, já que eventuais marcas da
agressão terão desaparecido.
Em contrapartida, usando-se a videoconferência, é possível ouvir o réu
imediatamente após a prisão -algo
também jamais mencionado. O que se
divulga são meros detalhes formalistas, que levaram nosso país -um dos
primeiros do mundo a adotar esse recurso, em meados dos anos 90- a
perder tanto tempo que hoje não temos mais pioneirismo nesse campo.
O conservadorismo de alguns juristas e o apego aos velhos formalismos
são males da própria ciência do direito. Tanto é que anularam as primeiras
sentenças datilografadas -uma verdadeira inovação para época- e, mais
recentemente, as digitadas em computador (desta eu não escapei; também tive sentenças anuladas por tal
motivo no final dos anos 80).
Pergunta simples: muitos dos desembargadores e ministros que anularam sentenças digitadas em computador e que ainda judicam anulariam
hoje uma sentença ou todas as sentenças só porque digitadas? Todos
perderam o medo do novo e tiveram
que reconhecer as benesses advindas
com os avanços tecnológicos, que engoliu medos e preconceitos, que dominou o apego aos formalismos.
Acredito que o mesmo ocorrerá
com a videoconferência judicial, embora com mais de uma década de
atraso. Não importa, contanto que sejam debelados os sintomas do conservadorismo no direito.
EDISON APARECIDO BRANDÃO, autor do primeiro interrogatório por videoconferência no Brasil (Campinas, em
27 de agosto de 1996, ação penal nº 790/95), é juiz criminal em São Paulo (SP).
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