São Paulo, quarta-feira, 22 de dezembro de 2004

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ARQUIVO PARCIAL

Merece aplausos a idéia do governo de criar o "arquivo da intolerância", uma espécie de banco de dados com documentos e depoimentos que relatem mortes, desaparecimentos e torturas ocorridos no país e que possam ser acessados pela população. Como escreveu Miguel de Cervantes (1547-1616), "a história é êmula do tempo, depósito de ações, testemunha do passado e aviso do presente, advertência do porvir". Conhecer o passado é pelo menos fundamental para que não voltemos a cometer os mesmos erros.
Feitos os merecidos elogios, resta esperar que o "arquivo da intolerância" não seja apenas uma manobra diversionista para desviar as atenções para o que realmente importa: localizar os arquivos secretos que ainda existam em poder de órgãos de inteligência e sepultar de vez a proposta acintosa do governo de consagrar em lei a figura do sigilo eterno.
Com efeito, a medida provisória nš 228, baixada pelo Executivo no último dia 9, traz um dispositivo que permite a uma comissão composta exclusivamente por membros do governo manter documentos fora das vistas do público por toda a eternidade. A proposta é tão afrontosamente contrária às instituições democráticas que só resta ao Congresso Nacional a alternativa de rejeitá-la.
Segredos de Estado podem ser necessários, mas nada justifica o sigilo indefinido. Ao contrário, ele pode dar a autoridades a sensação de que elas não precisam prestar contas a ninguém, nem mesmo à história.
Consta que o governo teme a divulgação de material pouco enaltecedor relativo à Guerra do Paraguai (1864-70) e a negociações territoriais. Sobretudo o lobby do Itamaraty teria convencido o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a acolher o sigilo eterno.
A verdade, contudo, precisa prevalecer. A honra e a memória de indivíduos deve ser preservada na medida do possível, mas não contra o direito do país de conhecer o seu passado -seja ele conveniente ou não para os governantes da época.


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