São Paulo, quarta-feira, 22 de dezembro de 2004

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CLÓVIS ROSSI

O telão e a centelha

BRASÍLIA - É um instantâneo dos novos tempos, já não tão novos, aliás: na sala de reuniões do gabinete de Antonio Palocci, no quinto andar do Ministério da Fazenda, há um daqueles telões que mostram a cacofonia de índices e notícias do mercado financeiro.
Sorte que são apenas 9h30, os mercados ainda não abriram e, por extensão, a tela está em ponto morto.
Mesmo que não estivesse, Palocci não leva muito jeito de quem fica hipnotizado por ela. Até porque, na sua viagem do trotskismo para o papel de guarda-livros da República, acabou abandonando a crença na capacidade de intervenção do Estado em muitas coisas, entre elas na cotação do dólar.
Logo, para que ficar fissurado pelas curvas de subida (ou descida) da moeda norte-americana? Resigna-se: "O dólar está caindo no mundo. Não vamos ser ingênuos a ponto de acreditar que o Brasil vai mudar a cotação mundial do dólar".
Formalmente, sua ironia é até correta. Mas o problema não é a queda do dólar em relação ao bath tailandês. É o fortalecimento do real, que atrapalha as exportações, fonte primeira da retomada econômica.
Se não, leia o colega de Palocci, Luiz Fernando Furlan: "Há vários setores que já estão revendo seus planos de exportação uma vez que perderam rentabilidade na equação atual de custos e receita cambial".
Desconfio que a resignação de Palocci se deva ao fato de que, na viagem da ultra-esquerda à burocracia estatal, o ministro deixou de lado (ou perdeu?) a capacidade de sonhar sonhos grandes. Não que eu ache que ele seja "do mal". Ao contrário.
Mas, se é verdade que as coisas que ele diz fazem sentido, concorde ou não com elas, é também verdade que não há fogo, não há aquela centelha. O ministro até tem razão ao dizer que os "experimentalismos" fracassaram no Brasil.
O mal não é esse; é acreditar que, por isso, toda experiência nova está condenada ao fracasso.


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