São Paulo, terça-feira, 23 de janeiro de 2001

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Lições de vida do genoma humano

SÉRGIO DANILO PENA

Dia 15 de janeiro marca a data de nascimento de Martin Luther King. Para celebrar a ocasião, o presidente Bill Clinton fez um artigo no "The New York Times" intitulado "Apagando as barreiras de cor nos EUA", com a seguinte afirmativa: "Diferenças de cor não são o problema, mas sim a promessa, dos EUA. Se conseguirmos aproveitar ao máximo a nossa diversidade, teremos mais sucesso na era global da informação". Essa mensagem está em perfeita consonância com algumas lições que aprendemos recentemente do genoma humano e que podem nos fornecer um novo paradigma para as relações humanas no século 21.
O Projeto Genoma Humano praticamente já completou o sequenciamento dos mais de 3 bilhões de bases de DNA de nosso genoma (conjunto de genes que define nossas características) e logo terá mapeado a posição correta dos genes nessa estrutura imensa. Hoje também sabemos que, como indivíduos biológicos e como espécie, somos definidos pelo nosso genoma, o qual é extremamente conservado evolucionariamente e extraordinariamente diverso.
Conservado porque entre espécies diferentes as variações genômicas não são enormes: os nossos primos chimpanzés têm um genoma quase idêntico ao nosso, com diferença de apenas 1% em sua sequência. E existem também semelhanças surpreendentes entre o genoma humano e o genoma de espécies tão distantes de nós como as moscas e mesmo as leveduras. Diverso porque, em dois seres humanos escolhidos ao acaso, notamos milhões de diferenças no código genético, não importando a origem geográfica ou étnica deles. Mais de 90% dessa variação ocorre entre indivíduos e menos de 10% ocorre entre grupos étnicos ("raças") diferentes. Em outras palavras, há apenas uma raça de Homo sapiens: a raça humana!
Com base nesses dados, podemos derivar um paradigma genômico de acordo com o qual cada um de nós é um ser humano único e tão extremamente diferente de qualquer outro ser humano que tentar aglutinar as pessoas para formar grupos distintos (como, por exemplo, "raças humanas") simplesmente não faz sentido do ponto de vista biológico. Não existem diferenças suficientes entre os distintos grupos étnicos para permitir dissociar os seres humanos em "raças" distintas. As diferenças visualizadas entre populações de diferentes continentes são muito pequenas e superficiais, não se refletindo no genoma.


Não faz sentido, do ponto de vista biológico, dividir o homem em "raças'; há só uma raça de Homo sapiens: a raça humana
Isso porque, subjacente a toda a enorme diversidade encontrada entre os seres humanos únicos, existe um genoma comum que nos difere de outros seres vivos na terra e nos define como uma espécie distinta (Homo sapiens). O compartilhamento desse genoma por todos nós é um fato biologicamente fundamental e extremamente importante, que deveria gerar um forte sentimento de fraternidade e de solidariedade na espécie humana.
Além disso, essa solidariedade derivada do nosso "compartilhamento genômico" deveria ser estendida a toda a biosfera, que é, como nós, herdeira de um genoma primordial que deu origem ao primeiro ser vivo na terra, a partir do qual todos os outros derivaram.
No início do novo milênio, seria muito desejável -mesmo que um pouco utópico- poder traduzir esses conhecimentos do Projeto Genoma Humano em um novo paradigma genômico de relações humanas, criando, assim, uma sociedade mais sábia e mais justa.
Nossa altíssima individualidade genética deveria ser vista como fonte pessoal de orgulho e de dignidade. Sentimentos racistas deveriam ser substituídos pela compreensão de que "o diferente é precioso"! Talvez assim pudéssemos até começar a tratar o nosso planeta com renovado respeito, oriundo da consciência do parentesco genômico, da herança única do DNA que une todos os seres vivos.
União que vem do compartilhamento do primeiro genoma que originou a vida na Terra, provavelmente como um evento ímpar, que aconteceu uma única vez e provavelmente não se repetiu e nem se repetirá jamais.


Sérgio Junho Danilo Pena, 52, médico geneticista, é diretor do Centro de Análise e Tipagem de Genomas do Hospital do Câncer A.C. Camargo, presidente do Gene - Núcleo de Genética Médica e professor de bioquímica da UFMG.





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