|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
Lições de vida do genoma humano
SÉRGIO DANILO PENA
Dia 15 de janeiro marca a data de
nascimento de Martin Luther
King. Para celebrar a ocasião, o presidente Bill Clinton fez um artigo no "The
New York Times" intitulado "Apagando as barreiras de cor nos EUA", com a
seguinte afirmativa: "Diferenças de cor
não são o problema, mas sim a promessa, dos EUA. Se conseguirmos aproveitar ao máximo a nossa diversidade, teremos mais sucesso na era global da informação". Essa mensagem está em
perfeita consonância com algumas lições que aprendemos recentemente do
genoma humano e que podem nos fornecer um novo paradigma para as relações humanas no século 21.
O Projeto Genoma Humano praticamente já completou o sequenciamento
dos mais de 3 bilhões de bases de DNA
de nosso genoma (conjunto de genes
que define nossas características) e logo
terá mapeado a posição correta dos genes nessa estrutura imensa. Hoje também sabemos que, como indivíduos
biológicos e como espécie, somos definidos pelo nosso genoma, o qual é extremamente conservado evolucionariamente e extraordinariamente diverso.
Conservado porque entre espécies diferentes as variações genômicas não são
enormes: os nossos primos chimpanzés
têm um genoma quase idêntico ao nosso, com diferença de apenas 1% em sua
sequência. E existem também semelhanças surpreendentes entre o genoma
humano e o genoma de espécies tão distantes de nós como as moscas e mesmo
as leveduras. Diverso porque, em dois
seres humanos escolhidos ao acaso, notamos milhões de diferenças no código
genético, não importando a origem
geográfica ou étnica deles. Mais de 90%
dessa variação ocorre entre indivíduos e
menos de 10% ocorre entre grupos étnicos ("raças") diferentes. Em outras palavras, há apenas uma raça de Homo sapiens: a raça humana!
Com base nesses dados, podemos derivar um paradigma genômico de acordo com o qual cada um de nós é um ser
humano único e tão extremamente diferente de qualquer outro ser humano
que tentar aglutinar as pessoas para formar grupos distintos (como, por exemplo, "raças humanas") simplesmente
não faz sentido do ponto de vista biológico. Não existem diferenças suficientes
entre os distintos grupos étnicos para
permitir dissociar os seres humanos em
"raças" distintas. As diferenças visualizadas entre populações de diferentes
continentes são muito pequenas e superficiais, não se refletindo no genoma.
Não faz sentido, do ponto
de vista biológico, dividir
o homem em "raças'; há
só uma raça de Homo
sapiens: a raça humana
|
Isso porque, subjacente a toda a enorme diversidade encontrada entre os seres humanos únicos, existe um genoma
comum que nos difere de outros seres
vivos na terra e nos define como uma
espécie distinta (Homo sapiens). O
compartilhamento desse genoma por
todos nós é um fato biologicamente
fundamental e extremamente importante, que deveria gerar um forte sentimento de fraternidade e de solidariedade na espécie humana.
Além disso, essa solidariedade derivada do nosso "compartilhamento genômico" deveria ser estendida a toda a
biosfera, que é, como nós, herdeira de
um genoma primordial que deu origem
ao primeiro ser vivo na terra, a partir do
qual todos os outros derivaram.
No início do novo milênio, seria muito desejável -mesmo que um pouco
utópico- poder traduzir esses conhecimentos do Projeto Genoma Humano
em um novo paradigma genômico de
relações humanas, criando, assim, uma
sociedade mais sábia e mais justa.
Nossa altíssima individualidade genética deveria ser vista como fonte pessoal
de orgulho e de dignidade. Sentimentos
racistas deveriam ser substituídos pela
compreensão de que "o diferente é precioso"! Talvez assim pudéssemos até
começar a tratar o nosso planeta com
renovado respeito, oriundo da consciência do parentesco genômico, da herança única do DNA que une todos os
seres vivos.
União que vem do compartilhamento
do primeiro genoma que originou a vida na Terra, provavelmente como um
evento ímpar, que aconteceu uma única
vez e provavelmente não se repetiu e
nem se repetirá jamais.
Sérgio Junho Danilo Pena, 52, médico geneticista, é diretor do Centro de Análise e Tipagem
de Genomas do Hospital do Câncer A.C. Camargo, presidente do Gene - Núcleo de Genética
Médica e professor de bioquímica da UFMG.
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Jorge da Cunha Lima: TV Cultura - Muito além do castelo Próximo Texto: Painel do Leitor Índice
|