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TENDÊNCIAS/DEBATES
Juros
JOÃO SAYAD
A dívida pública brasileira é diferente das dívidas públicas americana, francesa ou inglesa. A dívida brasileira tem prazo médio mais curto.
Uma parte dela é protegida por correção monetária, outra parte é protegida
por correção cambial, e uma terceira
parte rende juros flutuantes do dia. Assim, grande parte dos títulos da dívida
pública brasileira é substituta próxima
de um depósito à vista nos bancos, que
pode ser sacado e gasto imediatamente
em compras ou pagamentos, com custos muito baixos de transação. Ou seja, a
dívida pública brasileira é parecida com
a moeda corrente do país.
Consequentemente, aqui no Brasil, o
aumento dos juros tem efeitos muito diferentes do que a elevação dos juros nos
EUA ou na Europa. Quando aumenta a
taxa de juros, o Federal Reserve americano produz vários efeitos.
1) Cai o valor dos títulos públicos, que
têm taxas de juros prefixadas e são de
longo prazo. Os proprietários desses títulos -bancos, empresas ou famílias-
perdem capital e ficam mais pobres. Por
isso tendem a reduzir gastos para recompor o prejuízo. O efeito tende a ser
contracionista: diminui a demanda de
consumo e de investimentos.
2) Bancos, empresas e famílias tendem a trocar depósitos à vista por aplicações em títulos públicos, que rendem
juros mais altos. Como esses títulos são
menos líquidos do que depósitos à vista
(não se trocam títulos públicos de longo
prazo por moeda e por bens com a mesma facilidade que no Brasil), bancos,
empresas e famílias tendem a ter mais
dificuldade em gastar. Isso também tende a ser contracionista: diminui a demanda de consumo e de investimento.
3) A renda disponível das famílias (o
que elas ganham todos os meses) é
composta por salários, lucros, pensões,
aposentadorias e juros da dívida pública pagos pelo governo. Com o aumento
das taxas de juros nos títulos novos, a
renda disponível tende a aumentar. O
efeito é expansionista, mas não é importante, pois a nova dívida representa
uma parte pequena da total, que perdeu
valor com o aumento dos juros. O efeito
é expansionista, mas dificilmente compensa o efeito contracionista do item 1.
4) A demanda de investimento e a
predisposição a consumir devem ser
menores, se bem que os investimentos
reagem mais a outras variáveis do que
aos juros. Esse efeito é contracionista, e
a demanda deve diminuir.
Nos EUA, os efeitos 1, 2 e 4 reduzem a
demanda de empresas e consumidores.
O efeito 3 pode aumentar a demanda,
mas é pequeno. Supondo que a diminuição da demanda consiga reduzir as
margens de lucro das empresas e as
pressões dos trabalhadores por aumentos de salários, a inflação tenderá a diminuir.
Ao elevar as taxas de juros, o Banco
Central do Brasil produz outros efeitos.
1) O valor dos títulos públicos, que
têm prazo curto e, em sua maioria, não
têm taxas de juros prefixadas, cai muito
pouco. A maior parte dos títulos rende a
taxa de juros do dia e quase não sofre
perda. Os proprietários de títulos emitidos anteriormente têm prejuízo muito
pequeno, o que não os induz a reduzir
gastos, como nos EUA. O efeito contracionista, caso exista, é pequeno.
2) Títulos públicos brasileiros e depósitos à vista são substitutos próximos,
pois têm liquidez semelhante. A liquidez da economia não é, portanto, afetada significativamente. Se o superávit
primário for insuficiente para pagar os
juros da dívida, o saldo total da dívida
aumenta. Como a dívida pública é muito líquida, a liquidez da economia tende
a aumentar. O efeito é expansionista.
3) A renda disponível das famílias aumenta bastante pelo pagamento dos juros, já que os títulos pagam juros flutuantes. Se a dívida pública representa
60% do PIB e os juros reais sobem para
12% ao ano (supondo, por simplificação, que os juros dos títulos indexados à
taxa de câmbio e à inflação subam em
paralelo à elevação da taxa básica), os
juros pagos pelo governo aumentam
em 7,2% a renda de famílias, empresas e
bancos.
Assim como os pagamentos de aposentadorias e pensões representam o
pagamento de trabalhadores que não
trabalham mais, os pagamentos de juros representam pagamentos ao capital
que está fora do processo produtivo,
"aposentado". Assim, o efeito do aumento dos juros é tão expansionista
quanto o efeito do aumento dos pagamentos das aposentadorias. Juros mais
altos causam grande aumento da renda
pessoal e dos gastos de famílias, bancos
e empresas. O efeito é expansionista.
4) Juros mais altos devem reduzir os
investimentos e a predisposição a consumir. Mas os investimentos privados
já estão bastante reduzidos, e os juros de
empréstimos aos consumidores já são
muito mais elevados do que os juros fixados pelo BC. De qualquer forma, o
efeito tende a ser contracionista.
No Brasil, o aumento dos juros tem efeitos muito diferentes do que a elevação dos juros nos EUA ou na Europa
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Assim, no Brasil, o resultado conjunto
dos efeitos 1, 2 e 3 tem grande probabilidade de ser expansionista, diferentemente do caso de países em que a dívida
pública tem prazo maior, com taxas
prefixadas e liquidez menor. O impacto
contracionista dos juros depende excessivamente do efeito 4. Desde 1964 , o BC
do Brasil vem tentando ampliar os prazos e reduzir a liquidez da dívida pública para conseguir um instrumento de financiamento não-inflacionário para o
governo. O esforço tem sido em vão.
A dívida pública acabou se tornando
uma moeda espetacular -rende juros
altíssimos, tem alta liquidez e é protegida da inflação, das variações cambiais
ou de futuras elevações de juros (segundo a preferência dos investidores). Isso
faz que as taxas de juros altas produzam
efeitos contraditórios e tenham uma eficiência relativamente baixa na redução
da demanda e no combate à inflação.
Nos EUA, um aumento de dois pontos percentuais nas taxas de juros tem
efeito contracionista muito forte. No
Brasil, o BC eleva os juros reais a 12% ao
ano, e a economia continua crescendo.
Juros mais altos também poderão afetar a inflação se reduzirem a taxa de
câmbio. No entanto, atualmente, analistas estrangeiros demonstram mais
preocupação com o crescimento da dívida interna do que com a inflação.
Mesmo que os juros tivessem o efeito
certeiro de reduzir a cotação do dólar,
taxas de câmbio valorizadas em termos
reais não seriam sustentáveis, como ficou demonstrado nos últimos anos.
João Sayad, 57, doutor em economia pela Universidade Yale, é secretário municipal de Finanças e Desenvolvimento. Foi ministro do Planejamento (governo Sarney).
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